Humildade é atitude! (Fl 2:1~11)

A humildade é algo muito prático. Podemos definir a humildade de várias maneiras. Certa vez, por exemplo, quando eu pastoreava uma igreja numa comunidade carente aqui em São Paulo, eu perguntei a todos se alguém se considerava realmente humilde: apenas uma irmã levantou a mão. Curioso, perguntei a ela: “por que a irmã se considera humilde?”. Ela me respondeu: “pastor, eu sou pobre”. E quem disse que ser pobre materialmente é sinônimo de ser humilde? Podemos pensar na humildade como auto-negação: não, você é melhor do que eu, eu não sou nada, quase um complexo de inferioridade. Ou também humildade como um conceito subjetivo, uma virtude interior desejável.

O texto que lemos é carregado de sentido e de significado, mas a sua mensagem básica é simples e prática: Humildade é atitude!

Nessa série de mensagens, o pastor Joel veio compartilhando com vocês alguns “aplicativos” fundamentais do Reino de Deus. Todos eles: a obediência, o perdão, a confissão, a confiança só são possíveis se formos humildes.

keep-calm-and-stay-humbleConfesso que falar de humildade é algo muito difícil. Eu, por exemplo, não me considero uma pessoa lá muito humilde. Creio que muita gente aqui já é casada, mas uma das primeiras lições que você aprende depois do casamento é que você é muito orgulhoso. Vira e mexe, Deus usa a minha esposa para me dizer: “meu! você é muito orgulhoso!”. E somos mesmo! É por isso que o Espírito Santo quer falar aos nossos corações hoje. Oro para que cada um de nós possamos ouvir a voz do Senhor nessa manhã.

Quero ser bastante prático: Com base nesse texto, falaremos de três coisas sobre a humildade: O que é ser humilde, Como ser humilde e Para quê ser humilde. Definição, Aplicação e Conseqüência.

1. O que é ser humilde?

Vamos ler novamente os versículos 1 e 2: “Se por estarmos em Cristo, nós temos alguma motivação, alguma exortação de amor, alguma comunhão no Espírito, alguma profunda afeição e compaixão, completem a minha alegria, tendo o mesmo modo de pensar, o mesmo amor, um só espírito e uma só atitude”.

O apóstolo Paulo está se dirigindo à Igreja de Filipos, na região da Macedônia, onde hoje é a Grécia. Paulo amava muito essa igreja pois ele mesmo fundara essa comunidade. Essa igreja também participava ativamente do ministério de Paulo provendo recursos financeiros para a sua missão. Em sua carta, a preocupação de Paulo é que todos nós estejamos unidos dentro do amor de Jesus Cristo, em pensamento e em atitude. Falar de unidade é fácil, mas vai colocar em prática: todos somos diferentes, temos ideias diferentes, até Deus mesmo trata com cada um de nós de maneira personalizada: como podemos ter, nas palavras de Paulo, “o mesmo modo de pensar, o mesmo amor, um só espírito e uma só atitude”?

É dentro dessa preocupação que o apóstolo Paulo vai nos ensinar, em primeiro lugar, O QUE É ser humildade. Leia comigo os versículos 3 e 4: “Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros superiores a si mesmos. Cada um cuide, não somente dos seus interesses, mas também dos interesses dos outros”.

Meus irmãos, hoje vivemos em um mundo em que cada um é por si e Deus é para todos. Ninguém se sente a vontade em dividir alguma coisa com alguém, com um desconhecido, por exemplo. Um dos maiores dramas e dificuldades dentro da igreja é que falta comunhão entre as pessoas, falta relacionamentos sinceros e profundos entre os irmãos, falta a vontade de sair da zona de conforto para servir o próximo. A vida cristã tornou-se apenas um exercício de auto-ajuda, extremamente individual e até egoísta: “eu vou crer direitinho, mas não mexam comigo… Não peçam para segurar a mão do irmão para orar com ele… Me deixem no meu cantinho com meu Jesus”. A questão é que não existe cristianismo fora do âmbito da comunidade: ninguém pode ser cristão sozinho! Jesus nos ensinou a orar “Pai nosso” (cf. Mt 6:9) e não “meu Pai que estás nos céus”.

A humildade nasce exatamente no contato com o outro, com o próximo. É quando, nas palavras do apóstolo Paulo, passamos a enxergar que os interesses dos outros irmãos, das outras pessoas, são tão, ou até mais, importantes do que o meu próprio interesse.  Não existe uma vida humilde solitária, pois a humildade é sempre em relação a alguém.  Tentar ser humilde pode se transformar no ato mais egoísta do mundo: basta que o foco esteja apenas em você e não no seu próximo. Então, esqueça essa ideia de ser humilde apenas para você se sentir bem, com as suas próprias forças, para você ficar “bem na fita com Deus”. Você só poderá ser humilde quando estiver em contato com Jesus e com as pessoas, com os irmãos, em comunidade.

Ok, Paulo. Humildade é considerar os outros superiores e os interesses dos outros tão ou até mais importantes do que o meu. Mas na real, quem pode viver assim? Todos somos seres humanos, com um instinto de auto preservação à flor da pele, não? De fato, esse negócio de ser humilde não é fácil mesmo. O maior entrave, a maior pedra no caminho é, com certeza, o “eu mesmo”, o meu orgulho, a minha auto-suficiência. Ninguém gosta de se humilhar pois vai contra a nossa própria natureza humana. Então, como eu posso ser humilde? A Palavra de Deus nos dá uma resposta muito simples e prática: imite Jesus!

2. Como ser humilde?

Quer mesmo ser humilde? Imite Jesus. Literalmente, siga o Mestre! Siga o Mestre, porque humildade não é apenas um conceito subjetivo, uma virtude interior, mais sim, atitude (φρονέω, pensamento, disposição mental, atitude).

Qual é a atitude que Jesus que quer tenhamos em relação a Deus e em relação às pessoas? A mesma atitude de Jesus! Simples? Só isso? Sim, só isso!   O Evangelho é simples assim! “Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus” (vr. 5). Mas, péra lá: das inúmeras atitudes que Jesus teve, qual delas eu devo imitar para ser humilde?

Hoje estamos a exatamente duas semanas da Páscoa. Muitos nem se deram conta disso, mas tradicionalmente, os cristãos celebram a Quaresma, os quarenta dias que antecedem a sexta-feira da paixão, o dia que Jesus morreu na Cruz. Talvez não exista época melhor no ano do que essa para pensar na atitude mais representativa de Jesus quando o assunto é humildade: a cruz!

Queria ler com vocês os versículos 5~8: “Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até à morte, e morte de cruz!”.

Sempre me perguntei: Se Jesus é Deus, com certeza, Ele poderia inventar outro caminho sem ser a Cruz, para nos salvar. Mas ao longo da minha caminhada com Jesus eu percebi que por exatamente Jesus ser Deus é que Ele teve a condição de nos salvar por meio dessa atitude tão humilde. O Rei da Glória, do Senhor do Universo veio ao mundo e se submeteu às mais humildes condições de vida. Ele morreu pregado numa cruz como criminoso para saldar o preço do nosso pecado e nos tornar sua própria família, seu povo, e Reino de Deus.

Meus irmãos, quando olhamos para a cruz, vemos estampado nela a humildade de Jesus, que embora sendo Deus, morreu como um cordeiro, o “cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo” (cf. Jo 1:29). Ele é o Mestre que lava os pés dos seus discípulos. É Bom Pastor que dá a sua própria vida em favor de suas ovelhinhas.

Ser humilde é replicar em nossa vida a Cruz de Cristo. Ninguém aqui precisa pegar uma cruz e se pregar nela, literalmente. Mas cada um aqui, todos nós, eu diria, precisamos pregar na Cruz do Calvário nosso egoísmo, orgulho, nosso pecado, nossa carne. À medida que você segue Jesus de Nazaré, você vai se tornando como Ele, humilde!

Sim, para sermos humildes, precisamos subir à Cruz com Jesus. Em Gálatas 2:19,20, o apóstolo Paulo diz assim: “Pois, por meio da Lei eu morri para a Lei, a fim de viver para Deus. Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora eu vivo no corpo, vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim”.

Quer ser humilde? Imite Jesus: obedeça a Deus até as últimas conseqüências: se for preciso, até a morte. Até que todo o seu egoísmo morra, até que toda sua auto-suficiência definhe. Como ser humilde? Imite Jesus: suba à Cruz junto com Ele, porque humildade não é apenas um conceito subjetivo ou uma virtude desejável, mas sim, atitude!

3. Para quê ser humilde?

Jesus, embora sendo Deus, não hesitou em vir ao mundo, assumir a forma humana, vestir as nossas roupas, comer a nossa comida, viver no meio de nós. Ele veio e viveu uma vida de absoluta pureza e humildade. O Senhor do Universo, o Rei dos reis e Senhor dos senhores tocava nos doentes, conversava com os marginalizados, comia com os pecadores, amava as pessoas… Jesus mostrou que nosso Deus é humilde. Que divino “paradoxo”, não?

Jesus viveu na terra como um cordeiro: manso, humilde. Deus deseja que cada um de nós possamos imitar essa humildade, que não é apenas teórica, mas muito prática, uma humildade que é traduzida em atitude!

Então, qual é a conseqüência da humildade no Reino de Deus? Ganhamos alguma coisa sendo humildes? Parece que não né? Parece que só temos a perder com isso… Vamos ler os versículos 9~11: “Por isso Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, no céu, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai”.

Meus irmãos, repare que o texto diz que foi Deus quem exaltou Jesus. Deus é a única pessoa que pode exaltar alguém. A morte de Jesus não foi em vão: ao terceiro dia, conforme as escrituras, Deus ressuscitou Jesus e o exaltou à mais alta posição de poder e autoridade no universo. Por causa da obediência de Jesus, Deus deu a Ele todo o poder sobre todas as coisas! Jesus nos ensinou por meio de sua própria vida que os humildes serão exaltados por Deus! No Reino de Deus, quem se humilha será exaltado!

O Reino de Deus tem uma dinâmica, uma ética, muito diferente da nossa. Não sei se alguém já participou de uma entrevista de emprego. Eu já fiz muitas entrevistas na vida. Nenhum empregador espera que o seu entrevistado entre na sala de entrevista e diga: “Patrão eu não sou nada diante do teu poder… eu não sou nada, sou um pecador, tenho um montão de defeitos, preciso aprender muito, não sei se serei capaz de trabalhar bem nessa empresa. Sabe patrão, um dia eu vou te enganar, porque sou pecador mesmo…”. Na sala de entrevistas, você tem que provar que é melhor do que todos os outros candidatos para ser contratado, não? Pois é, mas no Reino de Deus, você tem que provar com as suas atitudes (disposição mental e prática) que você é humilde, que você depende de Deus para tudo, que você obedece a Deus até as últimas conseqüências, que você imita, replica e aplica no seu viver a vida de Jesus, que você vive a Cruz!

O Reino de Deus é assim: para viver, primeiro tem que morrer; para ser discípulo, tem que carregar a cruz; para ser o primeiro, tem que ser o último; para ser exaltado, tem que se humilhar! Um Reino onde as crianças tem mais poder do que os adultos, um Reino onde a oferta de uma pobre viúva vale mais do que a oferta de um grande magnata. Um Reino onde a essência vale mais do que a forma, onde o interior muda e transforma o exterior. É desse Reino que fazemos parte: Jesus nos convida a termos atitudes que são compatíveis com esse Reino.

Queria compartilhar um último versículo com vocês. O apóstolo Pedro diz o seguinte: “Semelhantemente vós jovens, sede sujeitos aos anciãos; e sede todos sujeitos uns aos outros, e revesti-vos de humildade, porque Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes. Humilhai-vos, pois, debaixo da potente mão de Deus, para que a seu tempo vos exalte” (1Pe 5:5,6, ARA).

Meus irmãos, a nossa humildade terá recompensa! Deus não quer que sejamos humildes para mostrar que não somos nada, que não temos valor algum, para nos ver sofrer e rastejar no chão. Muito pelo contrário: Deus quer nos tornar humildes para que Ele possa nos usar em algo grande. Ele quer que sejamos vasos que se moldam à sua Vontade.  Deus deseja escrever a Sua história por meio de nossas mãos, de nossas vidas, seja influenciando e abençoando uma vida que seja ou milhares…

Deus dá graça aos humildes. Deus exalta os humildes. Quem aqui não quer ser exaltado? Todos queremos. O pastor Daniel pregou no domingo passado que querer ser exaltado é um anseio legítimo. O problema não está no querer ser exaltado, propriamente dito, mas no como queremos ser exaltados! É melhor sermos exaltados por Deus, sendo primeiro humildes e obedientes a Ele, do que construir a nossa própria torre de Babel, do que querer chegar lá com meu esforço, de maneira egoísta, às custas de tudo e de todos. Você deseja ser exaltado por Deus? Aprenda primeiro a ser humilde. Porque no Reino de Deus, os humildes serão exaltados.

Conclusão.

Ser humilde é um mandamento. Humildade é atitude! Ainda podemos ouvir os ecos da mensagem de Paulo: “Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus”. Quanto mais imitamos Jesus, mais humildade nos será concedida. Quando mais de Jesus vivermos, mais do nosso ego, dos nossos pecados, das nossas esquisitices serão crucificadas. Quanto mais perto do mestre estivermos, mais seremos exaltados junto com Ele!

Meus amados irmãos, que nessa manhã, O Espírito Santo inunde o coração de cada um de vocês com uma santa disposição de imitar Jesus até as últimas conseqüências, pois essa é o único caminho que nos fará filhos e filhas mais humildes.

Instale esse bendito aplicativo na sua vida.

Pr. Ki Chul Joo
Pr. Ju Ki~Chul (1887~1944)

O pastor presbiteriano Ju Ki-Chul, viveu de 1887 a 1944. Ele foi lutou pela independência da Coreia durante o domínio Japonês e foi martirizado por recusar-se a prestar homenagens e culto aos deuses do xintoísmo, uma religião que fora imposta pelos japoneses na Coreia durante esse domínio. Ele era uma pessoa que amava demais Jesus e preferiu morrer a ter que negar o seu Senhor. Há uma oração que ele escreveu que se chama: “Faz-me humilde”. Na última parte dessa oração, ele diz: 오, 주여! 저는 당신의 겸손을 사모하옵고, 당신과 같이 되기를 원하나이다: “Ó Senhor, eu anseio por tua humildade, quero ser como Tu”. Que essa seja a nossa oração essa manhã. Que essa seja nossa atitude! Amém. Vamos orar.

Datashow. Humildade é atitude! (Fl 2.1~11)

Mensagem pregada no 4o. culto da Imosp, 06 de abril de 2014.

Resenha: The Cambridge Companion to St. Paul, por James Dunn (ed.)

The Cambridge Companion to St. Paul, por James Dunn (ed.). 2003, 301 páginas.


St Paul

Como é já da tradição das coleções “The Cambridge Companion”, esse volume sobre São Paulo, editado por James D. G. Dunn, é uma obra sintética e introdutória sobre os principais temas desenvolvidos por Paulo em seu corpus.

Cada capítulo foi escrito por um acadêmico de peso no mundo anglo-americano, tais como Stephen Barton (Durham), Larry Hurtado (Edimburgo), Andrew Lincoln (Portland), Brian Rosner (Austrália) e Ben Witherington III (Asbury).

Na primeira parte do livro, há uma análise da vida de Paulo, considerando aspectos de sua conversão, sua missão entre os gentios e seu ministério pastoral. Na segunda parte, cada carta de Paulo é introduzido aos leitores, em ordem cronológica de escrita, abordando questões importantes como a própria autoria (se é ou não de Paulo) e temas principais. Na terceira parte, os autores desenvolvem uma “Teologia de Paulo” destacando cinco eixos fundamentais: O seu background teológico judaico, o Evangelho, a Cristologia, a Eclesiologia e a Ética. Na última parte do livro, há uma boa discussão sobre o legado e a influência de Paulo em nossos dias.

Os capítulos são relativamente curtos (18 capítulos num livro de 301 páginas) e a linguagem é simples. Entretanto, muitos conceitos importantes em Paulo são abordados de uma maneira bem superficial, o que pode dificultar a leitura dos leigos. A obra é uma boa introdução à teologia de Paulo que leva em conta não apenas a abordagem mais clássica do tema mas também discussões mais atuais, e.g. Nova Perspectiva.

Resenha: God’s Saving Grace. A Pauline Theology, de Frank J. Matera.

God’s Saving Grace. A Pauline Theology. Frank J. Matera, Eerdmans, 2012, inglês (tradução em língua portuguesa não disponível), 267 páginas.

Embora Paulo tenha experimentado essa Graça de uma maneira particularmente dramática, todos os crentes-em-Cristo são beneficiários dessa Graça na mesma medida em que foram chamados para pertencer à comunidade escatológica da Igreja (p. 10)

A ideia geral do livro gira em torno da experiência de graça, ou seja, a “conversão”, ou nas palavras do próprio autor, da “graça salvadora”, do apóstolo Paulo no caminho de Damasco. Essa é a pedra fundamental sobre a qual pode ser construída uma Teologia Paulina. Paulo não teve a intenção de escrever tratados teológicos de maneira deliberada, mas sim, responder à questões pontuais que as comunidades sob a sua influência estava passando. A Teologia Paulina é o reflexo da manifestação da graça salvadora na via do próprio apóstolo, e por consequência, na vida de todos os crentes em Cristo. “Foi na Cristofania à caminho de Damasco que Paulo entendeu the o crucificado é o Messias, o Senhor exaltado” (p. 46).

God's Saving GraceEm cada capítulo da obra, Matera desenvolve a sua tese tendo como base as 13 epístolas paulinas, dentre as quais considera 7 como autenticamente escritas por Paulo (Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Filipenses 1 Tessalonissenses e Filemon), 2 outras cartas numa escala intermediária de autenticidade (2 Tessalonissenses e Colossenses) e os demais considerados como autoria paulina incerta (Efésios e as epístolas pastorais). Embora haja uma certa dúvida quanto à autoria de algumas cartas atribuídas a Paulo, isso não interfere de maneira decisiva, de acordo com o autor, na construção da teologia paulina. O que importa para Matera é que mesmo as cartas mais improváveis de terem sido escritas por Paulo foram redigidas, no mínimo por seus seguidores próximos que tentaram aplicar às suas realidades imediatas os ensinos de seu mestre. Particularmente, não concordo com a dúvida em relação à Efésios e às cartas Pastorais.

O foco do capítulo 2 são as narrativas de conversão de Paulo e o impacto que esse episódio teve em sua vida e em seu ministério. O chamado, o Evangelho de Cristo e o seu apostolado são três realidades que não podem ser separadas e que nascem do encontro pessoal que o apóstolo teve com aquele que antes considerava anátema, mas que depois, passou a adorá-lO como Messias de Israel. É interessante a relação que Matera faz do apóstolo com a experiência da graça salvadora em sua vida. Isso leva a concluir que a teologia paulina não é fruto apenas da generalidade intelectual do apóstolo, mas sim, do ato de graça de Deus em relação a ele. Matera conclui dizendo que a experiência pessoal da graça salvadora de Deus teve implicações cristológicas, soteriológicas, eclesiológicas, éticas e escatológicas no corpus paulinus

O capítulo 3 traz um arrazoado sobre a identidade do Cristo para Paulo, no sentido de localizar a pessoa de Jesus dentro da obra redentora de Deus sobre a humanidade. Primeiramente, Paulo parece não se ater aos títulos cristológicos atribuídos pelos Evangelhos Sinópticos (razão que pode ser explicada pela redação posterior dos Evangelhos canônicos). Entretanto, Paulo se dirige a Cristo de três maneiras básicas: como Filho de Deus (Paulo não usou o termo no seu sentido helênico, ou seja, ressaltando a divindade de Cristo, mas sim, no seu sentido ecoado das Escrituras hebraicas, relacionado ao chamado, à obediência e à vindicação divina), como Cristo (nesse ponto, eu descordo das considerações de Matera que conclui que o nome Cristo era usado mais no sentido de um apelido, sem grandes desdobramentos teológicos. No entanto, o autor ressalta que ao se referir a Jesus somente como o Cristo, Paulo considera-O como agente da redenção de Deus), e Senhor, a maneira mais frequente pela qual Paulo se referiu a Jesus (só se pode chamar Jesus de Senhor somente sob a ação do Espírito. Tal declaração é o sumário da fé cristã). Na parte final, Matera faz considerações interessantes sobre a questão da pré-existência e da pós-existência de Cristo (a partir da ressurreição) deixando claro que em Paulo há muito mais referências ao Cristo ressurreto do que ao Cristo preexistente.

Já no terceiro capítulo, o autor ocupa-se em refinar, de maneira mais robusta, o que ele próprio chamara de a “Graça Salvadora”. Faz uma ótima interrelação entre a justificação (Romanos e Gálatas) e a reconciliação (Efésios e Colossenses), considerando-os como duas faces de uma mesma moeda, e de como essa dupla realidade leva à redenção por meio do perdão dos pecados e da santificação que torna o crente e uma nova criação, refletindo a imagem de Cristo, até o estágio final da ressurreição, onde os mesmos crentes serão glorificados também à semelhança de Cristo. Não é ignorado, de maneira correta, a questão da tensão dialética entre o “já” (escatologia realizada) e o “ainda não” (escatologia final), trazendo equilíbrio entre todos as grandes ações que fazem parte da Graça Salvadora.

No capítulo quatro faz uma importante análise da Comunidade dentro do contexto da Graça Salvadora. A experiência de Damasco é entendida como uma realidade que acontece a todos os crentes, obviamente de maneiras diferentes, mas levando a todos a um mesmo ponto: serem o povo escatológico de Deus formado pelos gentios e pelo “Israel Histórico”. Para Matera, embora a Igreja, como o povo escatológico, esteja próximo de Israel, não é o “novo” Israel e nem o seu substituto. Dentre as várias relações que o autor traça entre a Igreja e Israel, salienta que a rebeldia do Israel histórico levou à inserção dos gentios dentro da grande comunidade da fé, e que esse processo estava sob o absoluto controle de Deus, por meio de Cristo. Por fim, a graça salvadora tem efeitos para além do momento do “caminho de Damasco” dos crentes: leva cada cristão a se relacionar com Aquele que santifica o seu povo por meio da morte e da ressurreição tornando-os parte do “corpo de Cristo”.

Para Paulo, a realidade de vida cotidiana do Cristão era também muito importante. Esse é o grande tema do capítulo 5, onde o autor vai desenvolver a questão do viver de acordo com a Graça Salvadora. De acordo com o autor, “a comunidade santificada da igreja é a esfera dentro da qual os crentes vivem a sua nova vida em Cristo” (p. 156). A eclesiologia e a ética são indissolúveis. Dentro desse ponto de vista, a ação do Espírito como o agente de uma nova vida e a função dos sacramentos pelas quais as realidades espirituais são transmitidas a igreja de maneira visível são fundamentais. Também o amor (sendo o dom maior) e a esperança escatológica fazem com que a igreja desfrute de maneira perene da graça salvadora de Cristo. Toda a ética cristã é fruto direto da ação divina na vida dos crentes. Creio que nesse capítulo Matera traz uma reflexão bastante equilibrada sobre o “viver em comunidade” como um aspecto central da práxis cristã. 

Junto com o cotidiano, o por vir também está no foco das atenções de Paulo. No capítulo 6, Matera desenvolve melhor a questão da “esperança escatológica” lidando com a expectativa iminente de Cristo (expectativa compartilhada pela igreja “primitiva”) e da constatação de sua provável “demora” (principalmente nas Pastorais). Na visão do autor, a esperança escatológica na salvação derradeira consiste na crença da parousia, da ressurreição dos mortos, e  da vitória final de Deus por meio de Cristo. O grande tema da ressurreição, assunto mais frequente do que o tema da crucificação nas epístolas paulinas, é a base inabalável de qualquer esperança escatológica cristã, pois aquele que ressuscitou há de retornar para decretar a vitória final sobre o pecado e a morte.

Finalmente, no último capítulo, Matera faz um survey nas epístolas de Paulo sobre o tema Deus, com algumas conclusões: há uma relação entre o Pai de Jesus Cristo e o Deus de Israel; Deus é misterioso e próximo, transcendente e ao mesmo tempo imanente; Deus age com base na eleição (entendido pelo autor como um ato de Graça), Deus só pode ser entendido por meio de Cristo e do Espírito, por isso, a teologia de Paulo seria basicamente trinitária. Fora essas categorias mais gerais, Paulo tenta explicar Deus de diversas maneiras, mas mesmo as descrições de Paulo em relação a Deus sempre serão insuficientes, umas vez que, “Deus não pode e não será confinado a categorias humanas” (p. 248).

Considero essa obra como muito relevante para a compreensão da mente de Paulo, de seu ministério e de sua obra literária, por partir de um ponto de vista muitas vezes ignorado pela academia: a experiência pessoal real da conversão (a cristofania à caminho de Damasco). Deus alcançara um feroz perseguidor do Nazareno, transformando-o no apóstolo do Cristo. Para Paulo, Jesus passou a ser a chave que interpreta e completa toda a Torá e as antigas escrituras. Não que Paulo passou a ter uma outra ideia acerca de Deus, mas esse Deus ganhou o rosto de Jesus, o Messias e o Senhor exaltado. Esse encontro só poderia ser expresso em termos da Divina Graça.

As experiências que temos com Jesus têm o seu lugar de relevância no desenvolvimento da nossa teologia, ou seja, de como entendemos, obedecemos e servimos a Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo.

Frank MateraFrank J. Matera é professor aposentado da cátedra Andrews-Ryan de Estudos Bíblicos da Universidade Católica da América, em Washington D.C.. Escreveu várias obras incluindo: New Testament Ethics: The legacies of Jesus and Paul e comentários bíblicos em Gálatas, 2 Coríntios e Romanos.

Contra o imperialismo de César, o “imperialismo” do Messias?

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A relação política entre o Evangelho de Jesus e a figura de César (i.e. Império Romano) é um tema muito explorado pela academia anglo-americana dentro da Teologia Paulina. Seria uma tentativa de ver não somente as implicações espirituais do Evangelho, mas também o seu contexto e influência política. Um dos principais teólogos que desenvolvem essa linha de pensamento é Richard Hosley, cuja obra principal é “Paul and Empire: Religion and Power in Roman Imperial Society“.

N. T. Wright, no ensaio  “Paul’s Gospel and Cesar’s Empire*”, diz que a resposta ao imperialismo de César foi/é um “imperialismo” do único de verdadeiro Senhor, Jesus de Nazaré:

If Paul’s answer to Cesar’s empire is the empire of Jesus, what does that say about this new empire, living under the rule of its new Lord? It implies a high and strong ecclesiology in which the scattered and often muddled  cells of women, men, and children loyal to Jesus as Lord from colonial outposts of the empire that is to be: subversive little groups when seen from Cesar’s point of view, but when seen Jewishly and advance foretaste of the tome when the earth shall be filled with the glory of the God of Abraham and the nations will join Israel in singing God’s praises (cf. Rm 15.7-13). From this point of view, therefore, this counter-empire can never be merely critical, never merely subversive. It claims to be the reality of which Cesar’s empire is the parody; it claims to be the modeling the genuine humanness, not least the justice and peace, and the unity across traditional racial and cultural barriers, of which Cesar’s empire boasted. If this claim is not to collapse one more into dualism, into a rejection of every human aspiration and value, it will be apparent that there will be a large degree of overlap. ‘Shun what is evil; cling to what is good’. There will be affirmation as well as rejection, collaboration as well as critique. To collaborate without compromise, to criticize without dualism – this is the delicate path that Jesus’ counter empire had to learn to tread.

O Evangelho redefine em torno de Cristo essa palavra tão carregada de ideologia: IMPERIALISMO.

* WRIGHT, N. T., Pauline Perspectives. Essays on Paul. 1978-2013. Fortress Press, Minneapolis, 2013, pg. 189-190

 

Resenha: Remember the Poor, de Bruce W. Longenecker (parte 1)

Remember the Poor. Paul, Poverty and the Greco-Roman World. Bruce W. Longenecker, Eerdmans, 2010, inglês (tradução em língua portuguesa não disponível), 380 páginas.

Remember the Poor

O tema central desse livro é a importância dos pobres dentro da Teologia Paulina. Para isso, o autor, na primeira parte do livro, faz uma análise de todo o contexto do mundo greco-romano concernente à ajuda aos pobres, passando pela inovação da tradição judaica e chegando finalmente à revolução gerada pelo Evangelho (Jesus e sua comunidade). A segunda parte do livro é destinada exclusivamente à análise do tema proposto dentro do corpus paulinus. Nesse post, farei uma resenha crítica da primeira parte do livro. No próximo post complementarei coma resenha da parte 2 e as minhas impressões/conclusões ref. essa obra.

No primeiro capítulo, Longenecker refuta a tese de que o apóstolo Paulo não deu o devido destaque à relação com os pobres em suas epístolas. Ao citar estudos anteriores sobre o tema, discorda da posição defendida, e.g., por Peter H. Davis, cuja tese era de que Paulo não dirigiu atenção aos pobres por entender que a parousia era iminente. Segundo o autor, a “caridade”, em Paulo, é uma conseqüência natural de sua Teologia pois a assistência aos pobres é uma das matrizes do próprio Evangelho. Outro ponto importante: os primeiros cristãos nasceram dentro de um contexto urbano. Assim sendo, Paulo sabe da correlação entre a questão financeira e a fé, i.e., dentro das comunidades fundadas por Paulo a questão do “dividir” e do “compartilhar” envolvia tanto o material como os recursos espirituais. Nesse sentido, Longenecker faz um ótimo diálogo com o Dr. Wayne A. Meeks (The Fist Urban Christian)

O capítulo 2 trata da relação entre a Sociedade Agrária e a Elite Aquisitiva dentro de uma Sociedade Agrária Avançada (mundo pré-helênico). O autor faz um levantamento antropológico da divisão social daquele mundo colocando, de um lado, a grande maioria da população relacionado ao trabalho agrário-manual e, do outro, uma elite minoritária. Em poucas palavras, as relações sociais desenhavam-se em torno da exploração da elite minoritária em relação aos demais. Essa exploração, segundo Longenecker, sempre foi o ponto de denúncia dos profetas do Antigo Testamento (uma relação que acontecia nas nações gentílicas mas contaminara Israel por meio da assimilação cúltica dos ídolos pagãos e, consequentemente cultural). Profetas como Isaías, Miquéias e Amós denunciaram em seus oráculos a verdadeira “derrama” que acontecia envolvendo a sociedade agrária e a elite corrupta e exploradora. O tempo escatológico, segundo esses profetas, consistiria em uma era em que “as agonias e tragédias experimentadas predominantemente pelos pobres serão transformadas pelo equacionamento das relações de produção, colheita e benefício”.

O terceiro capítulo introduz-nos ao mundo greco-romano. Qual era o conceito de pobreza do mundo greco romano? O primeiro passo para responder a esse questionamento, segundo Longenecker, é analisar a escala econômica daquela sociedade. Para isso ele apresenta dois modelos. O primeiro é o binário baseado em dois termos cuja significado geral é “pobreza” mas que carregam um sentido semântico diferente. O primeiro é πένης (pénēs): uma pessoa que ainda possui algum recurso material mas que luta pela sobrevivência. O segundo termo é πτωχός (ptōkhós) que geralmente significa, dentro da literatura grega, “pedinte”, “mendigo” ou “miserável”. O modelo binário, porém, seria insuficiente para a identificação exata do “pobre”. Por isso, Longenecker apresenta uma escala econômica auternativa, baseada nos estudos de Steven J. Friesen, a qual divide a sociedade greco-romana em 7 Escalas Sociais (ES), sendo que a ES1~ES3 é constituída pelo próprio imperador, sua casa e nobreza (~3%), ES4 da chamada classe média (15%) e a ES7 dos miseráveis (25%), base da pirâmide social.

No capítulo 4, Longenecker desenvolve o tema dos atos de caridade em favor dos pobres na sociedade greco-romana. Segundo o autor, “a provisão para os pobres não era uma prioridade ética na cultura romana”. Embora existissem as chamadas “ações generosas”, estavam restritas dentro das mesmas Escalas Sociais, ou entre ESs próximas, constituindo apenas em provisões temporárias. Outra prática também era recorrente: o chamado  euergetismo, que consistia na doação de grandes somas monetárias para a construção de estradas, monumentos, arenas de gladiadores, templos, teatros, etc. A Patronagem, relação econômica de dependência entre os grupos mais abastados e os financeiramente menos afortunados, embora fosse uma relação extra-Escala Social, não atingia os grupos pertencentes às ES6 e ES7. Não há dúvidas da menção, na filosofia greco-romana, de virtudes como a misericordia e a clementia, contudo essas estavam mais relacionadas ao próprio homem: emanando de si próprio para si mesmo. Também é difícil encontrar referências claras da ajuda aos pobres como um o serviço aos deuses. Em suma, não havia a preocupação generalizada, por parte dos pertencentes às Escalas Sociais elevadas (ES1~ES3), de mudar a realidade e a condição social dos miseráveis e pobres (ES6, ES7).

Finalizando a primeira parte do livro, o capítulo 5 traz um apanhado geral do conceito de “caridade” na tradição judaica e cristã. Na primeira parte do capítulo, o autor expõe que a grande diferença do mundo judaico do greco-romano estaria exatamente no papel do pobre, i.e., na questão da necessidade da ajuda aos pobres (almsgiving). Segundo Longenecker, desde os escritos canônicos, literatura deuterocanônica do Antigo Testamento, escritos rabínicos, Filo de Alexandria e até Josefo, a tradição judaica sempre foi rica na sua preocupação em relação aos socialmente menos afortunados. No “judaísmo” o auxílio aos pobres era entendido como essencial uma vez que Deus era o “protetor dos pobres”. O autor cita Nicholas Wolterstorff que diz: “A religião de Israel era uma religião de salvação, e não de contemplação – isso faz com que o mantra das viúvas, órfãos, estrangeiros e pobres faça sentido”. Nesse sentido, Deus teria a prioridade em defender os marginalizados pela/da sociedade.

Ao analisar o Cristianismo na segunda parte do capítulo 5, segundo o autor, não há dúvidas de que Jesus segue a linha de pensamento dos escritos veterotestamentários. O que se vê no ministério terreno de Cristo é uma enfoque quase que total com relação aos pobres: o seu evangelho é pregado a eles, os milagres são feitos no meio deles e há um confronto entre a ética do Reino e o estabishment. Todo o ministério do Messias de Israel é visto como o cumprimento dos oráculos dos profetas (sobretudo aquelas que tinham uma forte ênfase social em seus escritos, como Isaías) e a chegada do tempo escatológico quando Yaweh julgaria toda a opressão e injustiça social. Citando Joel Green, a mensagem de Jesus vislumbra “um novo mundo, o Reino de Deus, um lugar onde a pobreza está ausente”. Esse foi o paradigma adotado pelo movimento de Jesus, que conforme o relato de At 2:44~47 tinha a assistência aos seus pobres como uma atividade indispensável. A mesma linha é seguida pelo escrito, que na analise de Longenecker é a mais preocupada com as questões dos pobres, a epistola de Tiago.

 

Bruce LongeneckerSobre o autor: Dr. Bruce W. Longenecker é professor do Departamento de Religião na Universidade Baylor, Texas, Estados Unidos. Completou seu bacharelado em Estudos Bíblicos e Religiosos pelo Wheaton College (IL, EUA), obteve seu mestrado em Estudos do Novo Testamento e o doutorado pela Universidade de Durham (RU) em 1990. Sua experiência na docência inclui as Universidades de St. Andrews, Cambridge e Durham.

Cabeça de burro ou A Face de Deus?

Alexamenos adora (seu) deus
Alexamenos adora (seu) deus

Em 1857 foi descoberto um antigo “grafite” que data do séc. II da Era Cristã. Retrata uma pessoa adorando um homem crucificado com a cabeça de um burro. Dizem que muitos romanos pensavam que os cristãos praticavam a onolatria (culto ao burro). O nome do “adorador” era Alaxamenos. A inscrição feita em grego antigo diz: “Αλεξαμενος ϲεβετε θεον”, ou seja, “Alexamenos adora (seu) deus“.

Os estudiosos são unânimes em afirmar que esse “grafite” romano era uma forma de escarnecer a prática da adoração de uma comunidade dita cristã a um judeu crucificado na Judeia, sob o governo de Pôncio Pilatos: Jesus de Nazaré.

O Dr. Larry Hurtado explica esse “grafite” dizendo:

“Essa “escultura” foi encontrada em uma pedra em um recinto na Colina Palatina (…) Ele mostra um opinião a respeito de Jesus e de seus adoradores posteriores em Roma, que não era muito positivo” (in Jesus among friends and enemies, pág. 10).

A nossa tendência é estranhar o fato da mensagem do Evangelho gerar tanta repulsa em nosso mundo moderno. Bobagem: as boas novas de Jesus sempre geraram incompreensão e intolerância por parte de muitos dos seus ouvintes ao longo da história. Era inconcebível para um romano ou para um grego, por exemplo, ter como um deus alguém que fora morto da forma como Jesus morreu. Mais incompreensível ainda era a alegação dos cristãos de que esse crucificado havia ressuscitado ao terceiro dia. E quanto aos judeus? Jesus era a vergonha em pessoa: a ovelha negra, o apóstata da religião de Moisés.

Se antigamente Jesus foi comparado a um burro-humano crucificado, o que diremos dos dias de hoje? Já vi Jesus sendo comparado a desde os mais sanguinários assassinos até aos mais ingênuos utopistas.

Olhando com cuidado à esse “grafite”, veio um questionamento direcionado a mim mesmo: Será que esse Alexamenos adorou esse homem crucificado com o entendimento correto de QUEM Ele, de fato, era? E eu, que Jesus estou adorando? Qual a visão que o mundo secular tem acerca desse Jesus que estou adorando? Qual é o meu testemunho do Cristo que sirvo a uma sociedade que enxerga Jesus tal como retrata esse “grafite”?

O apóstolo Paulo já dissera em 1Co 1:23 (NVI): “nós, porém, pregamos a Cristo crucificado, o qual, de fato, é escândalo para os judeus e loucura para os gentios“. Meu amigo, o Evangelho, para você, é escândalo ou A Verdade?

Para mim, a face do Cristo crucificado é a face do próprio Deus.

Na paz de Deus existe um sofrer…

“… nos gloriamos nas tribulações” (Ap. Paulo in Rm 5:3a)

 

“Na paz de Deus, existe um “sofrer”, um “submergir”, um “estar perdido” e “ser estraçalhado”” (Karl Barth, in Carta aos Romanos, pág. 244)

À primeira leitura, Karl Barth, teólogo suiço do séc. XX, e o apóstolo Paulo do séc. I AD, são masoquistas.

Quem gosta de sofrer, ou, quem tem prazer nas tribulações? Ninguém em sã consciência!

As pessoas buscam “adoidados” pelo prazer sem fim. Esse hedonismo dos nossos tempos nos descacostumou a sofrer. Até dentro de nossas igrejas parece que SOFRER é uma palavra anátema!

Sim, sofrer é ruim. O sofrimento humano é consequencia do seu pecado. Todos nós estamos expostos a esse sofrimento, que em última instância, gera morte.

Porém, a tribulação que Paulo está se referindo, e o sofrimento citado por Barth não é um mero estado psicológico ou metafísico. A palavra grega thlipseis usada por Paulo está relacionado “a oposição e perseguição por parte de um mundo hostil” (John Sttot). Nós, os cristãos, estamos no mundo, mas não fazemos parte do sistema desse mundo. Aquilo que cremos ser a Verdade vai em sentido totalmente oposto ao que as pessoas tem como as suas “verdades”. Essa antítese gera problemas: viramos adversários do mundo.

Na época de Paulo, cristãos eram jogados no circus maximus (vulgo, Coliseu) para serem estraçalhados (tomando emprestado a palavra usada por Barth), por causa da sua estranha fé, contrária a todas as tradições e crendices do Grande Império Mundial, Roma. Hoje, milhares de irmãos nossos morrem vítimas das perseguições de governos e ditadores ao redor do mundo. Sim, ainda hoje, séc. XXI!

Por que essas pessoas, aceitavam perder as suas próprias vidas, por causa de alguém que nunca viram? Por que eles podiam sofrer até o fim por causa de Jesus? Romanos nos aponta para a resposta: eles estavam com os olhos fitos na “esperança da glória de Deus” (Rm 5:2b). A esperança da Glória de Deus… Daquele dia em que o próprio Jesus virá estabelecer definitivamente seu Reino. Naquele dia em que toda a injustiça será extirpada e todos os ímpios julgados. No dia em que o esplendor pleno e radiante de Deus será visto por todos. Quando Cristo reestabelecer a ordem de todas as coisas.

Existe um choque de eixos. Para nós que cremos, o eixo mestre da nossa vida está em Deus. Para os ímpios, o eixo está em si mesmos. Esse choque é violento.

Se estamos tão confortáveis nesse mundo cheio de maldade e pecado, um dia ansiaremos em ver a Glória de Deus? Não! Para quê “Glória de Deus”, se o mundo me satisfaz?

Pr. John Sttot escreveu: “o sofrimento é o único caminho para a Glória. Com Cristo foi assim; e assim será com os cristãos”.

A verdade é que nesse mundo sofreremos. Paulo e Barnabé fortaleceram os crentes perseguidos de Listra, Icônio e Antioquia dizendo-lhes: “É necessário que passemos por muitas tribulações para entramos no Reino de Deus” (At 14:22). Não fico nenhum pouco desolado com isso, pelo contrário. Isso enche-me de esperança, pois eu creio no que Paulo disse: “somos co-herdeiros com Cristo, se de fato participamos dos seus sofrimentos para que também participemos de sua glória” (Rm 8:17).

O duro é saber que nem essa “tribulação” muitos de nossos irmãos não estão dispostos a enfrentar.

Senhor Jesus,

Ajuda-nos a estarmos na Tua presença, mesmo que isso signifique passarmos por tribulações, sermos atacados pelas forças adversárias do mal. Seja nossa força, nossa rocha, nosso baluarte.

Que nosso alvo não seja os prazeres e o conforto que o mundo pode oferecer, mas sim, sobre todas as coisas, a glória eterna e a alegria plena que gozaremos (e gozamos) em Ti. Por Cristo Jesus, nosso Senhor, amém.