Resenha: A Week in the life of Corinth, de Ben Witherington III

A Week in the life of Corinth. Ben Witherington III, IVP, 2012, inglês.

Dr. Ben Witherington III
Dr. Ben Witherington III

estereótipo de um teólogo no imaginário das pessoas é assim: uma pessoa chata, reacionária, vestida de preto e totalmente snob. Ben Witherington III é um teólogo oposto a tudo isso. Ler os seus livros e o seu blog pessoal “The Bible and Culture” nos dá a ideia do que é ser um teólogo moderno, “antenado” não apenas na erudição acadêmica mas também relacionando todo conhecimento teológico com as diversas facetas de expressão de nossa sociedade: artes, música, viagens, etc. Dr. Witherington é professor de Interpretação do Novo Testamento do Seminário Teológico de Asbury (Kentucky, EUA) e pastor da Igreja Metodista Unida. Possui uma vasta produção bibliográfica que vai desde a questão do Jesus Histórico até a questão do dinheiro e da riqueza no Novo Testamento.

Esse pequeno livro, que consegui ler em poucas horas, é uma obra que mistura pesquisa acadêmica com ficção. Não espere encontrar quilômetros de notas de rodapé, palavras em hebraico ou a citação de 500 fontes bibliográficas: o propósito desse pequeno “romance” não é esse. Digamos que seja uma leitura direcionada aos leigos, mas também recomendado aos acadêmicos-teólogos de plantão. O autor convida-nos a entrar no túnel do tempo e aterrissar na Corinto de 50/60 d.C., visitar suas ruas, o pequeno estabelecimento comercial de Paulo, Áquila e Priscila, entrar na casa de uma família normal, participar de uma celebração de uma “igreja que se reúne em casa”, por uma semana!

A Week in the life of Corinth
A Week in the life of Corinth

O personagem principal é um escravo-liberto chamado Nicanor. Junto com ele, conhecemos a família para qual Nicanor serve como oikodomos (mordomo): a família de Erastos (pater), sua esposa Camilla e sua filha Julia. Nicanor envolve-se na trama que se desenha entre Erastos e seu adversário Aemilianus. Os dois disputavam o posto de administrador da cidade de Corinto (oikonomos tēs paleōs). Erastos era um romano convertido ao cristianismo pelo ministério de Paulo e Aemilianus um conhecido homem sem escrúpulos. Dentro dessa trama que é temperada com uma pitada de suspense, Nicanor conhece o apóstolo Paulo por meio de um acidente causado por Aemilianus para matar Erastos. No fim, o próprio Nicanor converte-se ao cristianismo após testemunhar a cura milagrosa de seu pater familias.

Inscrição em Corinto que cita Erastos: "Erastos, oficial e administrador assentou esse pavimento com suas próprias despesas". Provavelemnte é o mesmo Erastos citado por Paulo em Rm 16:23
Inscrição em Corinto que cita Erastos: “Erastos, oficial e administrador assentou esse pavimento com suas próprias despesas”. Provavelemnte é o mesmo Erastos citado por Paulo em Rm 16:23

É claro que em 158 páginas é difícil criar um romance cuja narrativa se desdobre um inúmeros acontecimentos entrelaçados entre si. A narrativa é fácil, “beach reading” nas palavras de David A. deSilva. Entretanto, o que torna o livro muito interessante, principalmente para os leigos em teologia, é a farta quantidade de quadros que explicam desde o funcionamentos das casas de banho romanas até a questão do uso do dom da profecia na igreja de Corinto. As fotos e ilustrações também são um convite a parte para nos imaginarmos dentro da sociedade de Corinto do primeiro século da era cristã.

Numa linguagem extremamente agradável de se ler, Ben Witherington conseguiu condensar a sua obra-masterConflict and Community in Corinth” (Conflito e Comunidade em Corinto) oferecendo ao leitor um resumo das principais características sociais, religiosas e políticas do Império Romano, especificamente desse centro comercial tão importante que se tornara Corinto. 

Esse livro enquadra-se na mesma linha do “The Shadow of the Galilean” de Gerd Theissen (outra obra que todo aquele interessado em conhecer a questão do Jesus Histórico e do contexto social judaico da época de Jesus deveria ler. A tradução em português foi lançada pela Editora Vozes em 1991, mas está esgotado) que mistura ficção com uma pesquisa histórica, social, teológica e arqueológica sólida.

Gosto dos teólogos que tem um pouco desse sangue “romancista”, Dr. Witherington é um desses! Recomendo a leitura!

Resenha: Remember the Poor, de Bruce W. Longenecker (parte 1)

Remember the Poor. Paul, Poverty and the Greco-Roman World. Bruce W. Longenecker, Eerdmans, 2010, inglês (tradução em língua portuguesa não disponível), 380 páginas.

Remember the Poor

O tema central desse livro é a importância dos pobres dentro da Teologia Paulina. Para isso, o autor, na primeira parte do livro, faz uma análise de todo o contexto do mundo greco-romano concernente à ajuda aos pobres, passando pela inovação da tradição judaica e chegando finalmente à revolução gerada pelo Evangelho (Jesus e sua comunidade). A segunda parte do livro é destinada exclusivamente à análise do tema proposto dentro do corpus paulinus. Nesse post, farei uma resenha crítica da primeira parte do livro. No próximo post complementarei coma resenha da parte 2 e as minhas impressões/conclusões ref. essa obra.

No primeiro capítulo, Longenecker refuta a tese de que o apóstolo Paulo não deu o devido destaque à relação com os pobres em suas epístolas. Ao citar estudos anteriores sobre o tema, discorda da posição defendida, e.g., por Peter H. Davis, cuja tese era de que Paulo não dirigiu atenção aos pobres por entender que a parousia era iminente. Segundo o autor, a “caridade”, em Paulo, é uma conseqüência natural de sua Teologia pois a assistência aos pobres é uma das matrizes do próprio Evangelho. Outro ponto importante: os primeiros cristãos nasceram dentro de um contexto urbano. Assim sendo, Paulo sabe da correlação entre a questão financeira e a fé, i.e., dentro das comunidades fundadas por Paulo a questão do “dividir” e do “compartilhar” envolvia tanto o material como os recursos espirituais. Nesse sentido, Longenecker faz um ótimo diálogo com o Dr. Wayne A. Meeks (The Fist Urban Christian)

O capítulo 2 trata da relação entre a Sociedade Agrária e a Elite Aquisitiva dentro de uma Sociedade Agrária Avançada (mundo pré-helênico). O autor faz um levantamento antropológico da divisão social daquele mundo colocando, de um lado, a grande maioria da população relacionado ao trabalho agrário-manual e, do outro, uma elite minoritária. Em poucas palavras, as relações sociais desenhavam-se em torno da exploração da elite minoritária em relação aos demais. Essa exploração, segundo Longenecker, sempre foi o ponto de denúncia dos profetas do Antigo Testamento (uma relação que acontecia nas nações gentílicas mas contaminara Israel por meio da assimilação cúltica dos ídolos pagãos e, consequentemente cultural). Profetas como Isaías, Miquéias e Amós denunciaram em seus oráculos a verdadeira “derrama” que acontecia envolvendo a sociedade agrária e a elite corrupta e exploradora. O tempo escatológico, segundo esses profetas, consistiria em uma era em que “as agonias e tragédias experimentadas predominantemente pelos pobres serão transformadas pelo equacionamento das relações de produção, colheita e benefício”.

O terceiro capítulo introduz-nos ao mundo greco-romano. Qual era o conceito de pobreza do mundo greco romano? O primeiro passo para responder a esse questionamento, segundo Longenecker, é analisar a escala econômica daquela sociedade. Para isso ele apresenta dois modelos. O primeiro é o binário baseado em dois termos cuja significado geral é “pobreza” mas que carregam um sentido semântico diferente. O primeiro é πένης (pénēs): uma pessoa que ainda possui algum recurso material mas que luta pela sobrevivência. O segundo termo é πτωχός (ptōkhós) que geralmente significa, dentro da literatura grega, “pedinte”, “mendigo” ou “miserável”. O modelo binário, porém, seria insuficiente para a identificação exata do “pobre”. Por isso, Longenecker apresenta uma escala econômica auternativa, baseada nos estudos de Steven J. Friesen, a qual divide a sociedade greco-romana em 7 Escalas Sociais (ES), sendo que a ES1~ES3 é constituída pelo próprio imperador, sua casa e nobreza (~3%), ES4 da chamada classe média (15%) e a ES7 dos miseráveis (25%), base da pirâmide social.

No capítulo 4, Longenecker desenvolve o tema dos atos de caridade em favor dos pobres na sociedade greco-romana. Segundo o autor, “a provisão para os pobres não era uma prioridade ética na cultura romana”. Embora existissem as chamadas “ações generosas”, estavam restritas dentro das mesmas Escalas Sociais, ou entre ESs próximas, constituindo apenas em provisões temporárias. Outra prática também era recorrente: o chamado  euergetismo, que consistia na doação de grandes somas monetárias para a construção de estradas, monumentos, arenas de gladiadores, templos, teatros, etc. A Patronagem, relação econômica de dependência entre os grupos mais abastados e os financeiramente menos afortunados, embora fosse uma relação extra-Escala Social, não atingia os grupos pertencentes às ES6 e ES7. Não há dúvidas da menção, na filosofia greco-romana, de virtudes como a misericordia e a clementia, contudo essas estavam mais relacionadas ao próprio homem: emanando de si próprio para si mesmo. Também é difícil encontrar referências claras da ajuda aos pobres como um o serviço aos deuses. Em suma, não havia a preocupação generalizada, por parte dos pertencentes às Escalas Sociais elevadas (ES1~ES3), de mudar a realidade e a condição social dos miseráveis e pobres (ES6, ES7).

Finalizando a primeira parte do livro, o capítulo 5 traz um apanhado geral do conceito de “caridade” na tradição judaica e cristã. Na primeira parte do capítulo, o autor expõe que a grande diferença do mundo judaico do greco-romano estaria exatamente no papel do pobre, i.e., na questão da necessidade da ajuda aos pobres (almsgiving). Segundo Longenecker, desde os escritos canônicos, literatura deuterocanônica do Antigo Testamento, escritos rabínicos, Filo de Alexandria e até Josefo, a tradição judaica sempre foi rica na sua preocupação em relação aos socialmente menos afortunados. No “judaísmo” o auxílio aos pobres era entendido como essencial uma vez que Deus era o “protetor dos pobres”. O autor cita Nicholas Wolterstorff que diz: “A religião de Israel era uma religião de salvação, e não de contemplação – isso faz com que o mantra das viúvas, órfãos, estrangeiros e pobres faça sentido”. Nesse sentido, Deus teria a prioridade em defender os marginalizados pela/da sociedade.

Ao analisar o Cristianismo na segunda parte do capítulo 5, segundo o autor, não há dúvidas de que Jesus segue a linha de pensamento dos escritos veterotestamentários. O que se vê no ministério terreno de Cristo é uma enfoque quase que total com relação aos pobres: o seu evangelho é pregado a eles, os milagres são feitos no meio deles e há um confronto entre a ética do Reino e o estabishment. Todo o ministério do Messias de Israel é visto como o cumprimento dos oráculos dos profetas (sobretudo aquelas que tinham uma forte ênfase social em seus escritos, como Isaías) e a chegada do tempo escatológico quando Yaweh julgaria toda a opressão e injustiça social. Citando Joel Green, a mensagem de Jesus vislumbra “um novo mundo, o Reino de Deus, um lugar onde a pobreza está ausente”. Esse foi o paradigma adotado pelo movimento de Jesus, que conforme o relato de At 2:44~47 tinha a assistência aos seus pobres como uma atividade indispensável. A mesma linha é seguida pelo escrito, que na analise de Longenecker é a mais preocupada com as questões dos pobres, a epistola de Tiago.

 

Bruce LongeneckerSobre o autor: Dr. Bruce W. Longenecker é professor do Departamento de Religião na Universidade Baylor, Texas, Estados Unidos. Completou seu bacharelado em Estudos Bíblicos e Religiosos pelo Wheaton College (IL, EUA), obteve seu mestrado em Estudos do Novo Testamento e o doutorado pela Universidade de Durham (RU) em 1990. Sua experiência na docência inclui as Universidades de St. Andrews, Cambridge e Durham.

Resenha: A Essência da Evangelização, de Jerram Barrs

BARRS, Jerram. A Essência da Evangelização. Cultura Cristã, 2008, São Paulo, 272 páginas.

O livro é dividido em quatro partes. Na primeira, o autor começa a pensar a ideia de Evangelismo a partir do pano de fundo do Novo Testamento, ou seja, do ministério de Jesus e da atuação dos discípulos. Barrs faz uma ponte de conexão importante entre a Grande Comissão e a missão efetiva dos apóstolos (Atos).  A grande relevância dessa parte introdutória também está no aspecto de ligação dos conceitos bíblicos com a nossa práxis.

A segunda parte do livro aborda a questão da fraqueza humana em contrapartida da bondade de Deus. De um lado, vemos um Deus interessado e engajado em alargar as fronteiras do Evangelho. Por outro, encontramos, como nas palavras de Barrs, “Evangelistas Relutantes”. O autor embasa consistentemente suas ideias com relatos e personagens neotestamentários importantes, principalmente em Atos (conversão do Eunuco, de Cornélio e do próprio apóstolo Paulo).

Tendo como ponto de partida a nossa “relutância”, o autor também expõe, na terceira parte de sua obra, algumas das grandes dificuldade que levam as pessoas a temerem e a relutarem em anunciar a pessoa de Jesus Cristo aos conhecidos: culpa, falta de confiança, problemas com um “método evangelístico”. Além das dificuldade inerentes aos próprios cristãos. Barrs também faz um análise da dificuldade que o próprio mundo levanta contra a mensagem de Jesus, tal como o relativismo, a secularização e a desconstrução da própria ideia de moral.

A seção derradeira do livro tenta estabelecer algumas diretrizes para que nós possamos superar as barreiras (internas e externas a nós mesmos) ao o anúncio efetivo do Evangelho. Baseado em algumas atuações evangelísticas do apóstolo Paulo, o autor desenvolve sete princípios: respeito ao ouvinte, construção de pontes, entender aqueles  para os quais fomos enviados, uso da linguagem adequada, persuasão racional, verdade esclarecedora e desafio da mente e do coração. Dentro desses princípios, podemos ver a preocupação de Paulo em sempre levar em consideração toda a disposição de seus ouvintes.

Barrs nos faz pensar em Evangelismo a partir de um patamar muito diferente daquilo que estamos acostumados a fazer em nossas igrejas e dos nossos métodos tradicionais. Mais do que inundar a cabeça dos ouvintes com versículos desconexos, ou tentar forçar conversões na base do medo, a tentativa e o principal desafio é levar a mensagem de Cristo, de uma maneira contextualizada, porém, sem descaracterizar a essência dessa mensagem.

Sobre o autor: Jerram Barrs é professor da Disciplina Cristianismo e Cultura Contemporânea no Covenant Theological Seminary bem como fundador e pesquisador do Instituto Francis Schaffer. Esse livro é considerado uma referência na área de Evangelismo e dilálogo cristão com a cultura contemporânea.

Resenha: The Original Jesus. The life and vision of a revolutionary, de N. T. Wright

WRIGHT, N. T. The Original Jesus. The life and vision of a revolutionary. Eerdmans. Michigan: 1996, 160 páginas (Não publicado no Brasil).

Nicholas Tomas Wright, nascido em 1 de dezembro de 1948, comumente chamado na academia por “Tom” Wright, é teólogo e clérigo anglicano.  É doutor em Estudos no Novo Testamento pela Universidade de Oxford tendo sido agraciado com vários doctor in honoris causa. Durante vários anos foi bispo da diocese de Durham, teólogo cânone da Abadia de Westminster, Deão da Catedral de Lichfield, além de ter lecionado no McGill Univertity em Toronto, e na própria Universidade de Oxford. É considerado uma das maiores autoridades em Estudos no Novo Testamento, Nova Perspectiva de Paulo, e a Questão do Jesus Histórico. Embora seja relativamente pouco conhecido no Brasil, sua influência acadêmica é grande nos países de fala inglesa. Entre os seus escritos destacam-se: Justification, What St. Paul really said, The Climax of Covenant, e a série sobre as origens do cristianismo (The New Testament and the People of God: Christian Origins and the Question of God; Jesus and the Victory of God: Christian Origins and the Question of God e The Resurrection of the Son of God: Christian Origins and the Question of God). Atualmente, ocupada a cátedra de Estudos no Novo Testamento e Cristianismo Primitivo da St. Andrews University na Escócia desde 2010.

O livro é fruto de duas experiências: a gravação da série da BBC sobre as origens do cristianismo e sobre Jesus e também do seu trabalho acadêmico sobre o mesmo tema, particularmente o livro: The New Testament and the People of God (1992).

A obra se divide em duas partes. Na primeira, Wright faz uma análise concisa da questão do “Jesus Original”. Na segunda parte, o autor faz um convite à leitura dos Evangelhos “com os olhos abertos”, ou seja, de maneira holística, mas ao mesmo tempo, entendendo as ênfases teológicas apresentadas pelos quatro evangelistas. A presente resenha se concentrará na primeira parte.

De uma maneira bem informal e de fácil leitura, a questão que Wright tenta desenvolver está baseada em um enigma: como a morte de uma pessoa a dois milênios, numa cultura e num lugar diferente do nosso pode ser relevante para as pessoas que vivem no séc. XX? (o livro foi escrito em 1996). Esse é o questionamento levantado pelo autor, que admirando a cidade de Jerusalém, onde Cristo fora morto, reflete sobre as conseqüências para a história e para o presente dessa morte.

O capítulo 2 do livro Tom Wright nos relata a história anterior ao do próprio Cristo, ou seja, de João Batista. Nesse capítulo que tem como título “O Ponto mais baixo da História”[1], temos um pouco do cenário histórico-social-religioso do período pós-Segundo Templo: o retorno do exílio, o domínio romanos, os manuscritos do Mar Morto e de grupos messiânicos radicais. Nesse cenário, João Batista emerge da história como alguém com uma missão bem específica: purificar, através do batismo e anunciar um novo momento histórico: a vinda daquele que seria o messias e que traria com ele um novo Reino. De acordo com Wright, Jesus, no início foi adepto ao movimento de João Batista, mas quando ele foi preso “Jesus respirou fundo e começou seu próprio movimento independente”[2].

O capítulo 3 nos apresenta um problema relacionado à história de Jesus. De acordo com Wright:

“as pessoas dizem que as histórias de Jesus eram apenas histórias terrenas com significados celestiais. Mas isso é besteira! Histórias são muito mais poderosas do que isso. Histórias criam palavras. Conte uma história de maneira diferente, e você também mudará as palavras. E é isso que Jesus queria fazer”.

Baseado na parábola do Filho pródigo e na celebração que se fez no fim dessa história, Jesus estava, de acordo com o autor, apontando para o fato de haver um motivo para a festa: Ele estava trazendo o Reino de Deus. Jesus fora severamente criticado pelos guardiões das antigas tradições porque ele celebrou o Reino não com os justos e nem com a elite religiosa, mas com os excluídos e marginalizados de seu tempo[3]. As histórias que Jesus contou revelavam um Reino de Deus com novas regras que mudavam drasticamente toda a tradição estabelecida até então. É a partir disso que podemos entender o por quê Wright usa a palavra “revolucionário” para a pessoa de Cristo.

O quarto capítulo Wright continua a desenvolver sua visão de um Jesus Revolucionário baseado no Sermão da Montanha relatado em Mt 4:23, 25; 5:1~16, 38~45. Muitos lêem esse sermão como um mero ensino ético de Cristo. Porém, na visão de Wright, é semelhante a um manifesto revolucionário político. Desafiando a elite religiosa de seu tempo, Cristo apresenta uma nova maneira de ser “povo de Deus” a partir do momento em que Ele declara que as bênçãos divinas estavam sobre os pobres, sobre os que choram, aqueles que são sedentos por justiça, os perseguidos, etc. Segundo o autor, a maior “bomba” que Jesus detonou sobre os religiosos foi deslocar o centro da adoração do templo para a sua próprio pessoa-palavra quando ele diz que aqueles que o ouvem constroem suas casas sobre a Rocha. O centro do Reino de Deus não era mais o Templo de Jerusalém, mas a Palavra de Cristo revelada no Evangelho.

Contuniando a ideia de “deslocamento de centro”, o capítulo 5 traz uma análise interessante sobre aquilo que Wright chama de “Centro do Cosmos”. Qual era esse centro para o Judaísmo do Segundo Templo, na época de Jesus? Simples, era Jerusalém; afinal o Templo estava nessa cidade, e era para lá que os peregrinos iam nas festas religiosas solenes como a páscoa e o Yom Kippur. Entretanto, o cerne da Revolução de Jesus estava em estabelecer o centro do novo “povo de Deus” em si mesmo. Foi essa a intenção, por exemplo de Marcos, ao relatar a confissão de Pedro em Cesareia de Felipe[4]. A vida de Jesus, a sua morte e ressurreição deslocariam esse centro de uma cidade física e humana para a própria pessoa de Cristo.

O capítulo 6 tem o título “De volta ao jardim”. O ponto central é a morte e a ressurreição de Cristo. Segundo Wright, a concepção de ressurreição na cosmovisão judaica da época era que “Deus ressuscitaria seu povo para uma nova vida, quando ele finalmente mudaria o mundo inteiro estabelecendo justiça e paz para Israel em particular (…) Ninguém imaginaria que a ‘ressurreição’ significaria a ressurreição de uma só pessoa no meio da História”[5]. Os discípulos de Jesus, por exemplo, não esperavam a morte tão repentina de Cristo, e uma vez Jesus morto, não esperavam a sua ressurreição. Mas por que a ressurreição é um evento tão central? A ressurreição é a confirmação cabal do Reino de Deus para a qual os discípulos foram convidados a fazer parte. A simples morte de Cristo resultaria no fim do movimento de Jesus. Entretanto, sua ressurreição significou o fôlego necessário para que os discípulos continuassem sem Jesus, mas com o Espírito Santo, a ampliação desse reino constituído a partir de pessoas humildes e não do establishment religioso.

O último capítulo que fala da questão do Jesus Histórico é intitulado “Deus com uma face humana”. Para Wright o ponto fundamental para conhecermos o “Jesus Original” é nos aproximarmos de um Jesus que tem a face do Deus Vivo. Argumentando com o “Jesus Seminar” (de posição teológica antagônica com a de Wright), o autor expressa que não é suficiente entendermos Jesus Cristo apenas como um contador de histórias, como se essas histórias fossem contos éticos que nos ajudariam na caminhada da fé, pelo contrário, devemos crer e aceitar que Deus estava “pessoalmente presente em Jesus”[6]. A igreja é formada por pessoas que, mediante suas palavras, histórias, símbolos e ações revelam ao mundo a relação entre Deus e Jesus, culminando na declaração de Paulo em 2Co 5:19: “Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo”.

Concluindo a apresentação da obra, podemos dizer que Wright escreve de maneira bem acessível a todos, fugindo de terminologias teológicas complicadas e de um academicismo exagerado. Mesmo sendo de simples leitura, o estudo de Wright é baseado em anos de pesquisas na área do Jesus Histórico, o que torna esse instigante tema acessível a todos.

O foco da obra é que qualquer pessoa, seja ela cristã ou não, entenda facilmente acerca da pessoa de Cristo e sua inserção dentro dos Evangelhos. O convite que Wright faz aos seus leitores, instigados pelas suas proposições, é que eles leiam os Evangelhos de capa a capa se esforçando para que as verdades apresentadas ganhem sentido e entendendo o que cada evangelista está dizendo como um todo.


[1] Tradução livre, como em todos as citações de trechos da obra.

[2] pág. 31.

[3] pág. 41.

[4] Cf. Mc 8:27~9:1.

[5] pág. 71.

[6] pág. 84.