Resenha: God’s Saving Grace. A Pauline Theology, de Frank J. Matera.

God’s Saving Grace. A Pauline Theology. Frank J. Matera, Eerdmans, 2012, inglês (tradução em língua portuguesa não disponível), 267 páginas.

Embora Paulo tenha experimentado essa Graça de uma maneira particularmente dramática, todos os crentes-em-Cristo são beneficiários dessa Graça na mesma medida em que foram chamados para pertencer à comunidade escatológica da Igreja (p. 10)

A ideia geral do livro gira em torno da experiência de graça, ou seja, a “conversão”, ou nas palavras do próprio autor, da “graça salvadora”, do apóstolo Paulo no caminho de Damasco. Essa é a pedra fundamental sobre a qual pode ser construída uma Teologia Paulina. Paulo não teve a intenção de escrever tratados teológicos de maneira deliberada, mas sim, responder à questões pontuais que as comunidades sob a sua influência estava passando. A Teologia Paulina é o reflexo da manifestação da graça salvadora na via do próprio apóstolo, e por consequência, na vida de todos os crentes em Cristo. “Foi na Cristofania à caminho de Damasco que Paulo entendeu the o crucificado é o Messias, o Senhor exaltado” (p. 46).

God's Saving GraceEm cada capítulo da obra, Matera desenvolve a sua tese tendo como base as 13 epístolas paulinas, dentre as quais considera 7 como autenticamente escritas por Paulo (Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Filipenses 1 Tessalonissenses e Filemon), 2 outras cartas numa escala intermediária de autenticidade (2 Tessalonissenses e Colossenses) e os demais considerados como autoria paulina incerta (Efésios e as epístolas pastorais). Embora haja uma certa dúvida quanto à autoria de algumas cartas atribuídas a Paulo, isso não interfere de maneira decisiva, de acordo com o autor, na construção da teologia paulina. O que importa para Matera é que mesmo as cartas mais improváveis de terem sido escritas por Paulo foram redigidas, no mínimo por seus seguidores próximos que tentaram aplicar às suas realidades imediatas os ensinos de seu mestre. Particularmente, não concordo com a dúvida em relação à Efésios e às cartas Pastorais.

O foco do capítulo 2 são as narrativas de conversão de Paulo e o impacto que esse episódio teve em sua vida e em seu ministério. O chamado, o Evangelho de Cristo e o seu apostolado são três realidades que não podem ser separadas e que nascem do encontro pessoal que o apóstolo teve com aquele que antes considerava anátema, mas que depois, passou a adorá-lO como Messias de Israel. É interessante a relação que Matera faz do apóstolo com a experiência da graça salvadora em sua vida. Isso leva a concluir que a teologia paulina não é fruto apenas da generalidade intelectual do apóstolo, mas sim, do ato de graça de Deus em relação a ele. Matera conclui dizendo que a experiência pessoal da graça salvadora de Deus teve implicações cristológicas, soteriológicas, eclesiológicas, éticas e escatológicas no corpus paulinus

O capítulo 3 traz um arrazoado sobre a identidade do Cristo para Paulo, no sentido de localizar a pessoa de Jesus dentro da obra redentora de Deus sobre a humanidade. Primeiramente, Paulo parece não se ater aos títulos cristológicos atribuídos pelos Evangelhos Sinópticos (razão que pode ser explicada pela redação posterior dos Evangelhos canônicos). Entretanto, Paulo se dirige a Cristo de três maneiras básicas: como Filho de Deus (Paulo não usou o termo no seu sentido helênico, ou seja, ressaltando a divindade de Cristo, mas sim, no seu sentido ecoado das Escrituras hebraicas, relacionado ao chamado, à obediência e à vindicação divina), como Cristo (nesse ponto, eu descordo das considerações de Matera que conclui que o nome Cristo era usado mais no sentido de um apelido, sem grandes desdobramentos teológicos. No entanto, o autor ressalta que ao se referir a Jesus somente como o Cristo, Paulo considera-O como agente da redenção de Deus), e Senhor, a maneira mais frequente pela qual Paulo se referiu a Jesus (só se pode chamar Jesus de Senhor somente sob a ação do Espírito. Tal declaração é o sumário da fé cristã). Na parte final, Matera faz considerações interessantes sobre a questão da pré-existência e da pós-existência de Cristo (a partir da ressurreição) deixando claro que em Paulo há muito mais referências ao Cristo ressurreto do que ao Cristo preexistente.

Já no terceiro capítulo, o autor ocupa-se em refinar, de maneira mais robusta, o que ele próprio chamara de a “Graça Salvadora”. Faz uma ótima interrelação entre a justificação (Romanos e Gálatas) e a reconciliação (Efésios e Colossenses), considerando-os como duas faces de uma mesma moeda, e de como essa dupla realidade leva à redenção por meio do perdão dos pecados e da santificação que torna o crente e uma nova criação, refletindo a imagem de Cristo, até o estágio final da ressurreição, onde os mesmos crentes serão glorificados também à semelhança de Cristo. Não é ignorado, de maneira correta, a questão da tensão dialética entre o “já” (escatologia realizada) e o “ainda não” (escatologia final), trazendo equilíbrio entre todos as grandes ações que fazem parte da Graça Salvadora.

No capítulo quatro faz uma importante análise da Comunidade dentro do contexto da Graça Salvadora. A experiência de Damasco é entendida como uma realidade que acontece a todos os crentes, obviamente de maneiras diferentes, mas levando a todos a um mesmo ponto: serem o povo escatológico de Deus formado pelos gentios e pelo “Israel Histórico”. Para Matera, embora a Igreja, como o povo escatológico, esteja próximo de Israel, não é o “novo” Israel e nem o seu substituto. Dentre as várias relações que o autor traça entre a Igreja e Israel, salienta que a rebeldia do Israel histórico levou à inserção dos gentios dentro da grande comunidade da fé, e que esse processo estava sob o absoluto controle de Deus, por meio de Cristo. Por fim, a graça salvadora tem efeitos para além do momento do “caminho de Damasco” dos crentes: leva cada cristão a se relacionar com Aquele que santifica o seu povo por meio da morte e da ressurreição tornando-os parte do “corpo de Cristo”.

Para Paulo, a realidade de vida cotidiana do Cristão era também muito importante. Esse é o grande tema do capítulo 5, onde o autor vai desenvolver a questão do viver de acordo com a Graça Salvadora. De acordo com o autor, “a comunidade santificada da igreja é a esfera dentro da qual os crentes vivem a sua nova vida em Cristo” (p. 156). A eclesiologia e a ética são indissolúveis. Dentro desse ponto de vista, a ação do Espírito como o agente de uma nova vida e a função dos sacramentos pelas quais as realidades espirituais são transmitidas a igreja de maneira visível são fundamentais. Também o amor (sendo o dom maior) e a esperança escatológica fazem com que a igreja desfrute de maneira perene da graça salvadora de Cristo. Toda a ética cristã é fruto direto da ação divina na vida dos crentes. Creio que nesse capítulo Matera traz uma reflexão bastante equilibrada sobre o “viver em comunidade” como um aspecto central da práxis cristã. 

Junto com o cotidiano, o por vir também está no foco das atenções de Paulo. No capítulo 6, Matera desenvolve melhor a questão da “esperança escatológica” lidando com a expectativa iminente de Cristo (expectativa compartilhada pela igreja “primitiva”) e da constatação de sua provável “demora” (principalmente nas Pastorais). Na visão do autor, a esperança escatológica na salvação derradeira consiste na crença da parousia, da ressurreição dos mortos, e  da vitória final de Deus por meio de Cristo. O grande tema da ressurreição, assunto mais frequente do que o tema da crucificação nas epístolas paulinas, é a base inabalável de qualquer esperança escatológica cristã, pois aquele que ressuscitou há de retornar para decretar a vitória final sobre o pecado e a morte.

Finalmente, no último capítulo, Matera faz um survey nas epístolas de Paulo sobre o tema Deus, com algumas conclusões: há uma relação entre o Pai de Jesus Cristo e o Deus de Israel; Deus é misterioso e próximo, transcendente e ao mesmo tempo imanente; Deus age com base na eleição (entendido pelo autor como um ato de Graça), Deus só pode ser entendido por meio de Cristo e do Espírito, por isso, a teologia de Paulo seria basicamente trinitária. Fora essas categorias mais gerais, Paulo tenta explicar Deus de diversas maneiras, mas mesmo as descrições de Paulo em relação a Deus sempre serão insuficientes, umas vez que, “Deus não pode e não será confinado a categorias humanas” (p. 248).

Considero essa obra como muito relevante para a compreensão da mente de Paulo, de seu ministério e de sua obra literária, por partir de um ponto de vista muitas vezes ignorado pela academia: a experiência pessoal real da conversão (a cristofania à caminho de Damasco). Deus alcançara um feroz perseguidor do Nazareno, transformando-o no apóstolo do Cristo. Para Paulo, Jesus passou a ser a chave que interpreta e completa toda a Torá e as antigas escrituras. Não que Paulo passou a ter uma outra ideia acerca de Deus, mas esse Deus ganhou o rosto de Jesus, o Messias e o Senhor exaltado. Esse encontro só poderia ser expresso em termos da Divina Graça.

As experiências que temos com Jesus têm o seu lugar de relevância no desenvolvimento da nossa teologia, ou seja, de como entendemos, obedecemos e servimos a Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo.

Frank MateraFrank J. Matera é professor aposentado da cátedra Andrews-Ryan de Estudos Bíblicos da Universidade Católica da América, em Washington D.C.. Escreveu várias obras incluindo: New Testament Ethics: The legacies of Jesus and Paul e comentários bíblicos em Gálatas, 2 Coríntios e Romanos.

Feliz Aniversário “Madiba”!

Hoje, Nelson Mandela, cristão metodista, ex-presidente da África do Sul, completou 94 anos.

É um dos últimos grandes estadistas ainda vivos. Nesse dia que é reconhecido pelas Nações Unidas como “Mandela’s day” as pessoas são convidadas a parar por 67 minutos para fazer uma ação social (cada minuto representa um ano de vida que Mandela dedicou às causas sociais e aos direitos humanos).

Mandela e seu companheiro Desmond Tutu lutaram contra o regime sul-africano do “apartheid“, política de segregação e discriminação dos brancos (chamados “afrikaners”) contra os negros. Foi talvez revisitação moderna da antiga (nem tão antiga) política nacional dos nazistas. Graças a Deus o povo sul-africano foi liberto dessa opressão abominável!

 

 

Em memória desse dia, coloco aqui dois livros importantíssimos sobre a vida e o pensamento desse grande homem:

  1. Longa Caminhada até a Liberdade, uma autobiografia de Mandela, prefaciado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
  2. Conversas que tive comigo. Trechos de pensamentos e entrevistas de Mandela, prefaciado pelo presidente dos EUA Barack Obama.

Vale a pena ler esses dois livros.