O livro de Deuteronômio pode ser entendido, de uma maneira bem sintética, como a ratificação, renovação ou repetição da lei que fora dada aos Israelitas, por intermédio de Moisés, no Sinai. Durante quase todo o livro, o escritor ocupa-se em organizar conceitos como o monoteísmo em YHWH, a eleição dos israelitas como povo de Deus, a atuação e intervenção de Deus na história de seu povo e a ratificação da aliança que fora feita primeiramente com Abraão.
A partir do capítulo 27 do livro, quando entramos no desfecho da obra, encontramos uma cerimônia que deveria ser realizada ao cruzar-se o Rio Jordão. Tal ritual representaria a aliança de Israel com o seu Deus. A maioria dos comentaristas é unânime em dizer que o capítulo 27 possui certas peculiaridades que contribuem com a idéia de que o capítulo 27 possui uma conexão clara com o capítulo anterior e também com o posterior.
A primeira razão para estabelecer essa relação entre esses três capítulo é que Moisés aparece em terceira pessoa. De acordo com Thompson, “esta é a primeira vez, desde 5:1, em que ele é apresentado dessa forma, pois os capítulos 5 a 26 são uns únicos discursos hortatórios de Moisés a Israel”. Outro aspecto é que o foco do escritor deixa de ser Moabe, onde os israelitas estavam acampados na ocasião da ordenança, e passa a ser Siquém, cidade do outro lado do rio Jordão que estava a uma distância de mais um dia de caminhada da onde eles estavam. O terceiro ponto é que a cerimônia descrita nesse capítulo deveria ser feita apenas uma vez (ao entrar na terra prometida)
As razões acima serviram como argumentos para aqueles que supõem a redação desse livro para além do séc. VII a.C.. Entretanto essa teoria não encontraria base por causa do seguinte aspecto: esse trecho contradiz a lei da centralidade do culto. Uma vez que no séc. VII a.C., o centro religioso já fora estabelecido em Jerusalém, não haveria motivo para que um eventual autor contemporâneo dessa época incluísse uma ordem de erigir um altar no monte Ebal que nem se quer era considerado um lugar santo para os judeus.
Porém, a posição mais aceita pelos estudiosos é de que a inserção da descrição do capítulo 27 se fez necessária para complementar Dt 26:16~19, onde Deus conclama seu povo à obediência às leis estabelecidas por Ele. Para isso, a cerimônia teria um fator relevante: ilustraria a aliança de Deus com os israelitas, aos moldes dos antigos tratados de suserania e vassalagem do antigo Oriente Médio. Nesses tipos de aliança, faziam-se votos de bênção para os que cumpriam o pacto e também faziam-se votos de maldição para os que quebravam o acordo. Para Christensen,
“Importantes exemplos de documentos de aliança e cerimônias tem surgido em grade parte dos tratados internacionais preservados em textos de todo o mundo oriental antigo. Embora esses tratados sejam conhecidos primeiramente através dos hititas, não há razão para se supor que os hititas inventaram essa forma. Esses tratados são intrinsecamente trans-culturais em natureza e certamente influenciaram a estrutura e a natureza da aliança do Sinai e de sua renovação, especialmente como é refletido na cerimônia de aliança apresentado em Deuteronômio 27-30”[1].
Nessa visão, o capítulo 27 seria um fluxo natural do seu capítulo anterior e posterior, onde o povo renovaria seu conhecimento na aliança e nas cláusulas desse contrato. Nessa cerimônia os dois lados se comprometeriam a cumprir com a sua parte, e, posteriormente, se proclamariam as recompensas e sanções devidas ao acordo. Para Thompson, “embora se possa objetar que as bênçãos não se acham aqui incluídas, deve-se notar que não era necessário incluir referencias a todos os aspectos de uma cerimônia pactual sempre que se fazia menção a ela”[2].
Graigie possui uma percepção mais além acerca da importância desse capítulo em Deuteronômio, relacionado com a visão hebraica de História. A renovação da aliança em Moabe teria dois focos: primeiramente, a rememoração da aliança estabelecida por Deus para com seu povo no Monte Horeb; em segundo lugar, a antecipação do futuro, quando novamente a aliança seria ratificada[3], por ocasião da entrada do povo em Canaã. Os fatos ocorridos no passado, como o concerto de Deus com Abraão, os fatos do presente, ou seja, a renovação da aliança em Moabe, e os acontecimentos futuros teriam uma conexão e uma relação muito próxima. Assim, com essa renovação da aliança, Deus daria a certeza ao seu povo de que o acordo feito nos tempos dos antigos patriarcas seria plenamente cumprido quando o povo entrasse, conquistasse a terra prometida e se submetesse à Sua Lei.
A cerimônia em si.
Feitas essas considerações introdutórias, observaremos os detalhes do próprio texto bíblico sobre a descrição da cerimônia da maldição (qelālā) no monte Ebal.
O capítulo inicia-se com a apresentação de Moisés em terceira pessoa e junto com ele aparecem as figuras dos anciãos, ou “autoridades” dos israelitas (NVI). É a primeira vez que vemos a figura desses anciãos junto a Moisés na tarefa de ordenar ao povo a que se obedeça ao que fora estabelecido na lei em Deuteronômio[4]. É razoável pensar que a presença dos anciãos seria um prenúncio claro que Moisés não conduziria o povo na conquista da terra prometida e que parte da responsabilidade da observância do concerto de Deus com os israelitas estaria sobre as essas autoridades. Para alguns estudiosos, como Mayes e.g., o termo “acompanhado das autoridades de Israel” (Dt 27:1) seria uma adição posterior[5].
A travessia do Jordão é o marco temporal da realização do ritual. É improvável pensar que a cerimônia teria de ser a primeira coisa a ser feita pelos Israelitas ao entrarem em Canaã[6]. A razão para essa afirmação seria simples: o monte Ebal fica a 30 milhas, ou seja, aproximadamente 49 km, de Jericó, primeira cidade a ser conquistada na empreitada da conquista da terra de Canaã. Mayes acrescenta que o texto deve ser entendido no sentido de se realizar o ritual logo “após atravessar o Jordão”[7], ou como a NVI traduz, “quando vocês atravessarem o Jordão” (Dt 27:2).
O primeiro passo da cerimônia consistia em erigir algumas pedras grandes onde a lei seria gravada e, a seguir, essas pedras deveriam ser pintadas com cal. Isso tornaria visível a escrita da lei nas pedras que passariam a ter um fundo branco. Para Craigie, o método de preparação dessas pedras é tipicamente egípcio, ao invés de ser palestino ou mesmo mesopotâmico[8]. Essas pedras serviriam não somente como escritas visíveis da tōrāh, mas testemunhas concretas e visíveis da aliança que Deus fizera com seu povo e a conseqüente obrigação dos israelitas em obedecer a esses decretos. Tais pedras deveriam ser erguidas no Monte Ebal, conforme podemos ver em Dt 27:4.
O Monte Ebal, tanto quanto sua montanha irmã, o monte Gerizim (monte sobre a qual deveriam ser anunciadas as palavras de bênção), estão localizados na região de Siquém, ao leste do Jordão e distante 40 milhas de Jerusalém, cujo significado histórico para os hebreus é muito grande. Lá, por exemplo, Jacó erigiu um altar cujo nome era El Elohe Israel[9] (Gn 33:19) e onde Josué renovaria a aliança em Js 24. O monte Gerizim era considerado sagrado para os samaritanos, isso já no final do Antigo Testamento. Na seqüência, no versículo 8, há a preocupação do escritor em dizer que a lei deveria ser escrita com bastante clareza nas pedras. Literalmente, as letras deveriam ser “cavadas” nas pedras: subjetivamente, seria uma indicação de que a lei deveria ser gravada profundamente não só em pedras, mas também no coração do povo.
Diferente das grandes colunas de pedra caiadas, um outro altar, agora para sacrifícios, deveria ser preparado conforme as instruções de Êx 20:25: “Se me fizeram um altar de pedras, não o façam com pedras lavradas (šālēm), porque o uso de ferramentas o profanaria”.
Sobre esse altar dois sacrifícios seriam oferecidos: o holocausto e as ofertas pacíficas (sacrifícios de comunhão, shlāmīm)[10]. O holocausto consistia em um sacrifício totalmente (‘ôlâ) queimado a YHWH, enquanto que a oferta de comunhão poderia ser consumida pelo ofertante que deveria se alegrar diante de Deus. Isso indicaria a participação do povo no ritual da aliança. Esses sacrifícios seriam oferecidos em conexão com a cerimônia pactual.
Craigie levanta uma possibilidade para a proibição de uso de ferramenta de ferro para talhar o altar: como a tecnologia do ferro fora desenvolvida pelos filisteus, a utilização do ferro significaria a dependência de dos israelitas em relação a não-hebreus, o que desqualificaria a aliança exclusiva de Javé com o seu povo[11].
Todo esse ritual encontra o seu sentido, o seu raizon d’être, nos versículos 9 e 10. A obediência é tarefa do povo na aliança com YHWH: “obedeça ao Senhor, o seu Deus, e siga os seus mandamentos e decretos que lhes dou hoje” (Dt 27:10). Essa obediência seria a marca do ser o “povo de Deus”, ou seja, no momento em que a aliança é renovada e a identidade dos israelitas reafirmada, a principal tarefa dos filhos de Israel, como povo de Deus, seria a obediência a seu Senhor e Deus.
A partir do versículo 11, podemos ver mais detalhes acerca da cerimônia de renovação da aliança no monte Ebal: “Quando vocês tiverem atravessado o Jordão, as tribos que estarão no monte Gerizim para abençoar o povo serão: Simeão, Levi, Judá, Issacar, José e Benjamim. E as tribos que estarão no monte Ebal para declararem maldições serão: Rúben, Gade, Aser, Zebulom, Dã e Naftali” (Dt 27:12).
De acordo com Craigie, “a divisão das tribos parece se basear nas suas relações maternais com relação ao patriarca Jacó. As tribos descendentes de Lia e Raquel, esposas legitimas de Jacó, representam as bênçãos; e aqueles que descendem de Zilpa e Bila, que junto com Rúben e Zebulon, representam as maldições”[12]. Em outras palavras. Os filhos legítimos representariam a benção e os ilegítimos a maldição. Dessa maneira todo Israel[13] estaria envolvido e participaria na cerimônia da renovação na aliança com o Senhor como testemunho para a obediência[14].
Mas por que o Monte Ebal e Gerizim foram escolhidos para a recitação das maldições e das bênçãos, respectivamente? O Monte Gerizim, ao sul, pode ter simbolizado boa sorte, uma vez que ficava à mão direita de alguém que, naquele lugar, olhasse para o nascente do sol. Em contrapartida, o Monte Ebal significaria a maldição.
De acordo com Js 8:30~35, descrição da realização da cerimônia já na terra prometida, após a vitória sobre Ai, a arca da aliança deveria ficar no meio do vale, junto com os sacerdotes, e os dois grupos de tribos em cada lado. Apesar dos detalhes da cerimônia serem incertos, o significado que ela carrega parece claro. A presença da arca simbolizava a aliança (as tábuas da lei que estavam dentro da arca). Ao recitarem-se as bênçãos e as maldições, pelos dois lados, o povo estava dramatizando e verbalizando as bênçãos que seguiriam aos obedientes e ouvintes à lei, em contrapartida às maldições que alcançariam os que quebrassem as cláusulas do contrato.
Os levitas declararam as maldições, porém, não há registro de que eles tenham proferido as palavras de bênção. Um dos motivos pode ser o apontado por Driver. A relação do homem com a lei seria mais próxima com as maldições decorrentes da desobediência do que das bênçãos resultantes da obediência devido à própria natureza pecaminosa do homem[15].
Craigie nos relata que na interpretação da Mishnah, os levitas de dirigiram palavras de benção às tribos no lado do monte Gerizim e as tribos, ou os representantes das tribos responderam “amém”, da mesma maneira, as seis outras tribos, localizados do lado do monte Ebal responderam “amém” após a declaração das maldições[16]. De acordo com o Talmud, esse “amém” significaria a aceitação e a submissão do povo à aliança e aos termos do acordo[17], ou seja, o povo não teria mais desculpa para qualquer ato de desobediência a Deus.
O Dodecálogo de maldições.
Os versículos que seguem são conhecidos como “Dodecálogo” ou “Dodecálogo de Siquém”, uma vez que são apresentadas doze leis e suas respectivas maldições. Estas maldições deveriam ser proferidas pelos levitas na ocasião da realização da cerimônia de renovação da aliança, no Monte Ebal, região de Siquém. A liturgia das doze maldições cobre um leque de crimes espirituais, sociais e sexuais semelhantes ao do Decálogo, embora mais abrangente.
Pode-se dizer que essas leis não foram escolhidas de maneira aleatória, pelo contrário, simbolizariam todos os atos que afrontavam diretamente a santidade de Javé. Todas as doze fórmulas são introduzidas pela palavra “maldito” (’arûr) que é contrario à palavra bendito (Baruch).
“Maldito quem esculpir uma imagem ou fizer um ídolo fundido, obra de artesãos, detestável ao Senhor, e levantá-lo secretamente” (Dt 27:15). Esse é a primeira maldição e está relacionada à quebra dos dois primeiros mandamentos (Êx 20:3,4). Moldar ou esculpir uma imagem que seria adorada no lugar, ou acima, de YHWH. Nesse ponto temos a seguinte constatação: a idolatria vai entrar em conflito com a lei que revelara ao povo a face de um Deus único que deveria ser único alvo da adoração de seu povo. Provavelmente, havia pessoas que cultuavam deuses pagãos trazidos do Egito, principalmente no oculto de suas casas. Mesmo que a adoração secreta a deuses estranhos estivesse fora da vista das autoridades, Deus consideraria essa atitude detestável, ou abominável. O pecado de idolatria era um dos, se não for o maior, pecados que a lei previa. Isso era tão sério que Deus ordenou que se matasse até filhos e filhas se preciso fosse (conf. Dt 13:8~10)[18].
“Maldito quem desonrar o seu pai ou a sua mãe” (Dt 27:16). Essa maldição tem relação com o conceito de honra. O desonrar significa literalmente “tornar menor, desprezível”[19], insultar. É a transgressão direta do sexto mandamento (Êx 20:12). Essa norma tem a ver com o seio familiar, que ilustraria a maneira pela qual Deus deveria ser honrado.
“Maldito quem mudar o marco de divisa da propriedade do seu próximo”(Dt 27:17). Essa norma tem um caráter social muito forte. A preservação da propriedade do outro é assegurada por Deus. A mudança de marco que visa a posse irregular de terras alheias para beneficio próprio quebraria um principio de equidade social. Remover marcos representava um pecado contra Deus, uma vez que o homem mudava marcos estabelecidos por Deus por ocasião da divisão da terra prometida entre as tribos, ou seja, “remover os marcos significava intrometer-se em algo que o próprio Deus havia delimitado”[20].
“Maldito quem fizer o cego errar o caminho”(Dt 27:18), essa norma indicava que os menos afortunados, os deficientes físicos, representados na figura do cego, tinham um cuidado especial de Deus. Deus proíbe que uma pessoa se aproveite da fraqueza de outrem para tirar proveito pessoal.
“Maldito quem negar justiça ao estrangeiro, ao órfão ou à viúva”(Dt 27:19). Assim como a figura do cego, Deus, em várias partes da lei, deixa claro um cuidado peculiar com os órfãos e as viúvas. Esses dois tipos de pessoas estavam desprovidos das principais dádivas celestiais: os filhos e os cônjuges. Dt 10:18 diz: “Ele defende a causa do órfão e da viúva e ama o estrangeiro, dando-lhe alimento e roupa”.
“Maldito quem se deitar com a mulher do seu pai, desonrando a cama de seu pai”(Dt 27:20), “Maldito quem tiver relações sexuais com algum animal”(Dt 27:21), “Maldito quem se deitar com a sua irmã, filha do seu pai ou as sua mãe”(Dt 27:22),“Maldito quem se deitar com a sua sogra”(Dt 27:23). Todos esses mandamentos têm a ver com a questão da pureza sexual. O objetivo de Deus era que seu povo se distinguisse dos demais através de um padrão moral-sexual ordenado por Deus. O incesto e as relações sexuais dentro de uma mesma família são terminantemente proibidos[21]. Da mesma forma, o bestialismo é considerado uma abominação ao Senhor, tanto é que a lei mosaica prevê a morte para os que cometem tal pecado.
“Maldito quem matar secretamente o seu próximo”(Dt 27:24). “Maldito quem aceitar pagamento para matar um inocente” (Dt 27:25). Em ambos os casos o assassinato é tratado primeiramente como pecado digno de maldição, uma vez que também quebra o sexto mandamento (Êx 20:13). Além disso, mesmo que aqueles que mandam matar permanecem no anonimato, e aqueles que matem secretamente não venham a ser punidos através das autoridades humanas, tais pecadores serão responsabilizados e penalizados da devida forma por Deus.
“Maldito quem não puser em prática as palavras desta lei” (Dt 27:26). O escritor de Deuteronômio deixa claro o seguinte para terminar o dodecálogo: a maldição alcançará todos os homens que não obedecerem à lei de Deus. Novamente a questão da obediência, não apenas intelectual ou ritual, mas seguido da prática, é colocado no centro de toda a discussão da lei. O espírito de toda a lei está em se obedecer ao Senhor com o coração. Essa obediência leva à verdadeira prática da vontade de Deus.
Thompson resume da seguinte forma o dodecálogo: “a presente lista consiste da proibição de imagens (VRS. 15), quatro violações de dever social ou filial (VRS. 16~19), quatro casos de irregularidade sexual (VRS. 20~23), dois casos de ferimento corporal (VRS. 24, 25) e uma exigência final abrangente, de que esta lei (instrução) fosse cumprida”[22].
Conclusão.
A lei, as punições, as maldições e a constante exigência divina do homem se afastar do mau nos levam a refletir sobre o pecado que habita no interior do homem. Como um homem pecador e caído pode se relacionar com um Deus santo? Como um Deus santo lida com a maldade e a pecaminosidade dos homens criados à sua imagem e semelhança? A aliança que Deus estabeleceu com o seu povo, a começar em Abraão, traduz o ato gracioso de Deus em alcançar o homem e redimi-lo de sua condição decaída. Somente dentro desse contrato o povo poderia desfrutar da real condição de ser “povo de Deus”.
A aliança que foi renovada através do ritual de Siquém seria um testemunho da graça de Deus sobre os que com o “amém” ratificariam os termos do contrato. As terríveis maldições que passam a ser mais detalhadas no capítulo 28 são as devidas punições para aqueles que foram chamados para serem “povo de Deus”, mas que arbitrariamente se colocam com condição contrária a YHWH.
Como argumentaria o apóstolo Paulo no Novo Testamento, a lei em si não pode trazer salvação plena a ninguém. Essa mesma lei que Deus dera ao seu povo e que é base do Pentateuco, particularmente de Deuteronômio, serviria para que o homem pudesse constatar da sua situação de pecado e afastamento do seu Criador. O rigor da lei e as maldições que se seguem às transgressões nos revelam um Deus que se aborrece e abomina todo e qualquer tipo de ato pecaminoso que afronte a sua santidade e justiça. Mais tarde o mesmo Paulo afirmaria que a lei serviria de “aio” para Cristo.
Vários estudiosos discordam entre si acerca da importância desse capítulo no conjunto da obra de Deuteronômio. Não foi objetivo desse trabalho provar nem a época e tão pouco a autoria desse capítulo em relação ao livro. Porém, independente de tudo isso, podemos crer que esse ritual de renovação da aliança está recheado com a preocupação de Deus acerca da condição espiritual, ética e social de seu povo. Pode ser até por isso que a ênfase desse capítulo e da descrição da cerimônia esteja esmagadoramente relacionada à questão do pecado e da maldição.
Assumindo que “o salário do pecado é a morte” (Rm 6:23), as maldições desse capítulo mostram o que acontece com alguém que se afasta de Deus em desobediência e rebeldia. A maior maldição talvez seja a morte entendida no seu sentido mais amplo, como a perda da vida de benção e paz desfrutada apenas em Deus. De acordo com Lasor, “a única explicação que pode ser inferida de Deuteronômio, ou de qualquer outra porção da Bíblia, é a santidade da relação de aliança”[23]. A maldade e o pecado são atitudes de afronta direta não somente à santidade do Criador, mas também em relação à santidade da vida que Deus deu a todos os seres humanos.
Esse ritual é de extrema importância no desfecho de Deuteronômio, uma vez que a lei se torna realidade quando ela é outorgada (por Deus) e aceita com obediência (pelo povo). Tal ritual foi um ato representativo dessa realidade.
Referências bibliográficas.
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THOMPSON, J. A., Deuteronômio. Introdução e comentário. Série Cultura Bíblica, Mundo Cristão, São Paulo, 1991.
[1] CHISTENSEN, Duane L., World Biblical Commentary. Deutoronomy 21:10~34:12. Vl. 6B. Thomas Nelson Publishres, Nashville, 2002, pg 651. Tradução livre.
[2] THOMPSON, J. A., Deuteronômio. Introdução e comentário. Série Cultura Bíblica, Mundo Cristão, São Paulo, 1991, pg. 250.
[3] GRAIGIE, Peter C., The Book of Deuteronomy. The new internacional commentary on the Old Testament. William B. Eerdmans Publishing Company, Michigan, 1976, pg 327.
[4] Tōrāh, ou seja, todas as leis de Deuteronômio.
[5] MAYES, A. D. H. The New century bible commentary. Deuteronomy. Marshall, Morgan & Scott Publishing, London, 1981, pg 340.
[6] Thompson levanta a possibilidade de que a cerimônia foi feita próxima a Gilgal e que pode ter se repetido no Monte Ebal conf. THOMPSON, J. A., Deuteronômio. Introdução e comentário. Série Cultura Bíblica, Mundo Cristão, São Paulo, 1991, pg. 252.
[7] MAYES, A. D. H. The New century bible commentary. Deuteronomy. Marshall, Morgan & Scott Publishing, London, 1981, pg 341.
[8] GRAIGIE, Peter C., The Book of Deuteronomy. The new international commentary on the Old Testament. William B. Eerdmans Publishing Company, Michigan, 1976, pg 328.
[9] Ou seja, Poderoso é o Deus de Israel.
[10] DRIVER, S. R., A critical and exegetical commentary on Deteronomy. 3rd. Edition, T&T Clark, Edinbugh, 1986, pg 297.
[11] GRAIGIE, Peter C., The Book of Deuteronomy. The new internacional commentary on the Old Testament. William B. Eerdmans Publishing Company, Michigan, 1976, pg 329.
[12] IBID. Pg 330.
[13] Os levitas participariam na recitação das maldições no monte Ebal conf. Dt 27:14.
[14] MAYES, A. D. H. The New century bible commentary. Deuteronomy. Marshall, Morgan & Scott Publishing, London, 1981, pg 345.
[15] DRIVER, S. R., A critical and exegetical commentary on Deteronomy.3rd. Edition, T&T Clark, Edinbugh, 1986.
[16] GRAIGIE, Peter C., The Book of Deuteronomy. The new internacional commentary on the Old Testament. William B. Eerdmans Publishing Company, Michigan, 1976, pg 331.
[17] CHISTENSEN, Duane L., World Biblical Commentary. Deutoronomy 21:10~34:12. Vl. 6B. Thomas Nelson Publishres, Nashville, 2002, pg 662.
[18] LASOR, William, HUBBARD, David A., BUSH, Frederic W., Introdução ao Antigo Testamento. Vida Nova, São Paulo, 1999, pg 135.
[19] THOMPSON, J. A., Deuteronômio. Introdução e comentário. Série Cultura Bíblica, Mundo Cristão, São Paulo, 1991, pg. 250.
[20] CHISTENSEN, Duane L., World Biblical Commentary. Deutoronomy 21:10~34:12. Vl. 6B. Thomas Nelson Publishres, Nashville, 2002, pg 662, e também em THOMPSON, J. A., Deuteronômio. Introdução e comentário. Série Cultura Bíblica, Mundo Cristão, São Paulo, 1991, pg. 255.
[21] De acordo com Thompson, esse costume era muito mais antigo, como se pode ver nas inscrições do Código de Hamurabe que proíbe literalmente de se “descobrir a nudez do pai”. Antropologicamente, se costuma afirmar que a proibição do incesto foi um dos fatores civilizatórios da humanidade.
[22] THOMPSON, J. A., Deuteronômio. Introdução e comentário. Série Cultura Bíblica, Mundo Cristão, São Paulo, 1991, pg. 256.
[23] LASOR, William, HUBBARD, David A., BUSH, Frederic W., Introdução ao Antigo Testamento. Vida Nova, São Paulo, 1999, pg 135