Bíblia – Being Christian, parte 2

A Bíblia é um livro mais ouvido do que lido”. Williams começa o capítulo de uma forma pouco usual. Geralmente, imaginamos nossa relação com a Bíblia em termos de uma leitura solitária, apenas uma leitura. Mas ao longo desses dois milênios de história da Igreja, as pessoas mais ouviram do que leram as Sagradas Escrituras. Mesmo hoje, de acordo com o autor, a posse física de uma Bíblia é um privilégio que milhões de cristãos ao redor do mundo não tem. Esses cristãos que não tem consigo o livro físico, memorizam e recitam os textos bíblicos. A chamada transmissão oral não é algo meramente de um passado longínquo. É uma realidade que ainda temos no mundo.

Bíblia

Ouvir é importante! A vida cristã é a vida do escutar, escutar a Palavra de Deus: “a Bíblia é o território no qual os cristãos devem ouvir Deus falando” (pg. 23). Quando lemos as Escrituras, ouvimos histórias, leis, poemas, profecias das quais temos de escutar e a partir delas ouvir a voz de Deus. Imagine Jesus, por exemplo, contando uma parábola. Jesus espera que ao ouvirmos sua estória possamos nos perguntar “onde estamos nisso tudo?” e “quem somos?”. “Você não pode tirar suas conclusões enquanto a estória está sendo contada” (pg. 27). Entretanto, isso não quer dizer que todas as nossas respostas e atitudes em reação à Bíblia serão boas, mas nos tornamos capazes de, à luz da Palavra em si como um todo, de responder de maneira mais amorosa e fiel aos propósitos divinos.

O grande chamado desse capítulo é: “ouça TODA a História!”. Williams ressalta que não podemos cair na tentação de pegar apenas uma parte da narrativa bíblica e torná-la um modelo para o nosso próprio comportamento (cf. pg. 29). Precisamos, sim, nos atentar a como as pessoas reagiram diante da grande História de Deus, que não é apenas a de Noé ou de Abraão, mas é também a nossa.

Williams é muito conciso ao lidar com a questão da interpretação da Bíblia. Ele cita a grande disputa teológica entre aqueles que a lêem com um óculos mais literal e os que defendem uma abordagem mais liberal. O autor diz “a Bíblia não pretende ser uma mera crônica de eventos passados, mas uma comunicação viva da parte de Deus, dizendo-nos, agora, o que precisamos saber para a nossa salvação” (pg. 33). Assim, não podemos ser nem obsessivos em relação à literalidade do texto e nem tão pouco liberais. Temos que levar a sério a História de Deus.

Devemos ouvir a História, História essa que converge em Jesus. Williams defende uma leitura cristocêntrica da Bíblia. Nesse sentido, “ler a Bíblia é escutar a Deus em Jesus” (pg. 36), é escutar o Espírito Santo trazendo a história dos antigos israelitas, dos primeiros cristãos, tornando essa grande história também a nossa em Cristo.

Um ponto bem pertinente abordado pelo autor, e muitas vezes negligenciado no contexto evangélico, é a questão da tradição. De acordo com Williams, não podemos ler a Bíblia de forma isolada, individualizada. A leitura Bíblica também é um exercício a ser feito em comunidade. Numa sociedade extremamente individualista, vale a pena o resgate desse aspecto comunitário. Lemos o texto junto com os milhares de cristãos que vieram ao mundo antes de nós, que cada qual seu contexto, tentou traduzir em teologia, e em prática a mesma palavra de Deus. A tradição não pode ser um cabresto, mas também não pode ser deixada de lado. O grande perigo do excessivo desapego que temos em relação às tradições históricas é que corremos o risco de pensarmos que “inventamos a roda” ou que “descobrimos uma nova relevação divina”. A alguns dias, vi um video do Dr. Ben Witherinton III falando sobre o dispensacionalismo (http://www.youtube.com/watch?v=d_cVXdr8mVs). Ele questiona exatamente esse ponto: será que essa leitura é a mais adequada? Por que ninguém, em dois mil anos de história interpretou os textos bíblicos dessa maneira? Será que Deus deixou guardado para o século XX uma grande revelação-inovação hermenêutica? Particularmente, acho isso muito pouco provável.

Embora seja um capítulo curto, Rowan Williams acertou na mosca em sua abordagem. Precisamos voltar a “ouvir” a História de Deus, de maneira completa, de forma humilde, em comunidade, para que a partir dessa História, cujo epicentro é Cristo, possamos viver conforme a vontade de Deus.

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