Batismo – Being Christian, parte 1

Being Christian. Baptism, Bible, Eucharist, Prayer por Rowan Williams, 2014, 84 páginas.

Being Christian

Na sua opinião, quais são as marcas distintivas dos cristãos? Quais são os elementos que sinalizam que uma pessoa pertence à comunidade cristã? Essa é a resposta que Rowan Williams, ex-arcebispo da Cantuária (bispo primaz da Comunhão Anglicana), tenta responder nesse pequeno, mas profundo livro: Batismo, Bíblia, Eucaristia e Oração.

Nessa série de 4 posts quero trazer alguns insights importantes desse livro refletindo sobre a importância que esses quatro “elementos” realmente tem na nossa vida em comunidade. Hoje vamos começar com o batismo.

O Batismo é o ritual de iniciação ao Cristianismo. Pelo batismo, damos o nosso testemunho verbal e prático da graça de Deus em nossas vidas por meio de Jesus Cristo. É por meio dela também que somos “oficialmente” aceitos como membros de uma comunidade local. Entretanto, nós sentimos muito pouco, para não dizer nada, dos efeitos do batismo no nosso dia-a-dia com Deus. Quando nos reunimos em nossas celebrações, quantas sãos as pessoas que se quer lembram que são batizadas?

O autor nos lembra de duas narrativas: primeiro o episódio do batismo (Mt 3:13~17), e em seguida, a narrativa da criação do mundo (particularmente Gn 1:1,2). Você já parou para pensar na semelhança desses dois relatos? Quais são os seus elementos em comum? Água, a voz de Deus e o Espírito Santo. Da mesma maneira que o Espírito pairava sobre a face das águas, esse mesmo Espírito tem papel fundamental na nossa re-criação em Cristo. É a ação de Deus sobre o caos, ordenando e dando sentido novo à vida. Nesse sentido, somos chamados a também desempenharmos a mesma função, vivendo, nas palavras do autor, “na vizinhança do caos”, ao lado daqueles necessitados, indefesos, oprimidos, sendo instrumento de suas restaurações e re-criações.

Para Williams, o batismo tem a ver com o sentido que a própria palavra tem no seu contexto original: imersão, profundidade, “ser mergulhado”. Literalmente, somos mergulhados nas águas batismais, ou, em algumas tradições, aspergidos. Mas o batismo não se esgota apenas no seu ritual. O batismo nos traz o seguinte questionamento: para quê somos recriados? Para vivermos a profundidade da experiência da morte e da ressurreição de Cristo, para vivermos a profundidade da verdadeira humanidade criada para amar a Deus. Viver a profundidade das nossas próprias limitações: “a pessoa batizada não se encontra apenas no meio do sofrimento humano e da lama, mas também no meio do amor e do deleite do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (pg. 7).

Dentro dessa dinâmica da profundidade, o Dr. Williams diz que a oração é a consequência natural daqueles que vivem essa profundidade. Na contramão do senso comum evangélico, a oração não é para o nosso bem-estar, não pode ser mensurada por seus resultados, “mas é o que Deus faz em você quando você está perto de Jesus” (pg. 9). Batismo e oração, você já fez essa correlação?

Rowan Williams foi muito feliz na sua abordagem comunitária do batismo. Além de não ser apenas um ritual, o batismo é a síntese do modo como o verdadeiro cristão deve viver: não apenas na dimensão vertical da fé, ou egoísta da fé (se é que isso pode existir), mas também desfrutando do relacionamento que temos com outros batizados, e também a todo o mundo, afinal, Deus ama a todos. Da mesma forma que fomos recriados, somos também porta-voz dessa recriação àqueles que vivem no caos. O batizado carrega em si um “ministério” profético no sentido de ser a voz de Deus na manutenção da integridade da comunidade. A voz crítica e questionadora que leva as pessoas sempre a pensarem se estão ou não dentro do caminho, do jeito-de-ser-e-viver cristão. O batizado também tem em si um caráter sacerdotal: fomos batizados para fazer o meio-de-campo entre Deus e o mundo, criando pontes, restaurando, reconectando o mundo com o seu Criador. Por último, o batizado é chamado a exercer a sua função real, ou seja, o engajamento para que a justiça e a liberdade se Deus se façam visíveis nesse mundo.

Batismo de Jesus

Ser batizado, não significa ter um status de um “intocável” ou até de “imaculado”. Dr. Williams é categórico: “somos batizados, mas ainda sim pecadores”. Como lidar com essas duas realidades? Contanto que não pequemos de maneira delibera (em clara rebeldia contra Deus), podemos nos arrepender em oração e sermos levados novamente por meio do perdão de volta ao caminho original, ouvindo de Deus a voz: “Você é meu filho amado”.  “A comunidade batizada vive nesse mistério: tirado do caos, respirando o vento do Espírito e ouvindo de Deus as palavras que Ele disse ao seu Filho Unigênito, ‘Você pode me chamar de Pai’ ” (pg. 18).

Vamos viver a plenitude do nosso batismo?

A forma do batismo, segundo a Didachē

Um texto tão antigo como a Didachē traz uma reflexão muito rápida, mas pertinente, sobre o batismo.

“No que diz respeito ao batismo, batizai em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo em água corrente. Se não tens água corrente, batiza em outra água; se não puderes em água fria, faze-o em água quente. Na falta de uma e outra, derrama três vezes água sobre a cabeça em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Mas, antes do batismo, o que batiza e o que é batizado, e se outros puderem, observem um jejum; ao que é batizado, deverá impor um jejum de um ou dois dias”. (Didachē 7)

O que torna o batismo em um batismo bíblico, não está relacionado apenas a sua forma (imersão ou aspersão, quente ou frio, rio ou mar, copo ou piscina, etc). A forma pode ser “adaptável” ao contexto onde o batismo é ministrado. Eu, por exemplo, fui batizado por aspersão. Mas mesmo assim, não me considero menos batizado do que um outro irmão que foi batizado em um rio por imersão.

O que realmente importava para o “escritor” desse antigo texto era:

  1. O batismo deve ser feito em nome do Deus Trino: O Pai e o Filho e o Espírito Santo;
  2. Tanto o batizador quanto o batizado devem estar “preparados” para o sacramento do batismo.

ImagemSinceramente, não me sinto confortável aos batismos “relâmpagos” feitos em algumas comunidades: Você levanta a mão para receber a Cristo e uma piscina aquecida está te esperando para o batismo. Não há um tempo para uma reflexão, não há condições para uma explicação do “onde você está enfiando o seu pé”.

Pensando na figura de alguns “batizadores”, me assusta ver que estão usando o batismo apenas como amostra estatística, para provar por a+b que há mais salvação nesta igreja do que na outra.

Pensando nos “batizados”, parece-me que poucos tem a real noção do que é o batismo (por deficiência no ensino por parte da igreja ou por desinteresse do batizado). Será que o irmão que está “descendo às águas” compreende, mesmo que minimamente, o que ele está fazendo, qual o sentido de tudo aquilo?

O importante mesmo não é a forma como a água toca em nossos corpos, mas sim a ação de Jesus, em nome de quem recebemos esse sacramento, em nossas vidas, ação essa que nos faz sermos inseridos em seu Reino, na sua comunidade.